Mário Fortuna acaba de tomar posse como Presidente da Câmara do Comércio dos Açores, numa rotatividade pelas três associações de Ponta Delgada, Angra e Horta. As preocupações dos empresários açorianos estão elencadas numa lista que o economista revela nesta entrevista, manifestando as suas opiniões sobre cada uma delas.
Enquanto Presidente da Câmara do Comércio e Indústria dos Açores, a iniciar agora novo mandato, quais os grandes temas que mais afectam o vosso sector e que vão merecer atenção?
Em reunião de Direcção da CCIA já foi estabelecida uma lista de preocupações /iniciativas para os próximos tempos sendo que o momento da realização do FORUM CCIA, em Setembro, servirá para definir, em maior detalhe, as grandes preocupações dos empresários. Para além da realização do FÓRUM, a Direção da CCIA deu nota: da revisão estatutária agora apenas dependente de escritura pública, que permitirá a adesão de novos associados, iniciando uma nova fase na vida desta associação; da necessidade de revisão do acordo de pareceria em sede de Comissão Permanente de Concertação Social; da parca execução do PRR em linhas de interesse das empresas; dos transportes em geral, agora também com mais episódios envolvendo a SATA e; com a problemática da promoção externa dos Açores em todas as valências desde o turismo, passando ela promoção de produtos e pela promoção do investimento directo externo. Esta agenda é, naturalmente dinâmica, mas já fixa algumas áreas de preocupação para afinar na reunião do FÓRUM em setembro.
Quando é que outras associações comerciais, de outras ilhas, se associam na Câmara do Comércio dos Açores?
A entrada de novos associados está dependente, como referido, da escritura de alteração dos estatutos, já redefinidos. Feito isto a CCIA desencadeará, de imediato, os processos de admissão de novos associados.
Como observa esta recente polémica do fecho das lojas da SATA? Acha que a empresa e a tutela vão voltar atrás?
Lamentamos o episódio e esperamos que o Governo volte atrás porque, no essencial, é, principalmente, o envolvimento da RIAC que está em causa. A RIAC é tutelada pelo Governo que deveria ser o filtro, e certamente é, do que se deve ou não se deve fazer.
No caso em apreço a posição da CCIA foi muito clara e em linha com as suas associadas e com a APAVT. Não está em causa a racionalização da SATA mas sim o envolvimento de outras entidades públicas em áreas profissionais onde impera o sector privado e agora se pretende envolver o sector público. Se se aceita que a RIAC sirva de encaminhamento para soluções de problemas dos cidadãos não se compreende que o façam em concorrência comercial com o sector privado. No limite acaba-se com o sector privado e resume-se a economia a empresas estatizadas como acontece nos países comunistas, com planeamento central gerido pelos políticos. Não podemos, em circunstância alguma, aceitar este modelo porque representa o fim da iniciativa privada e o retrocesso comprovado por alguns poucos exemplos que sobrevivem, na miséria.
A medida faz parte, ao que parece, do plano de reestruturação da SATA. Como se reestrutura a empresa quando as medidas são contestadas?
Somos a favor da reestruturação da SATA como é sobejamente conhecido, mas não é com estratagemas como estes que se resolve o problema da SATA. Qual a próxima medida similar?
Há boas medidas e há más medidas. Esta, para nós, foi uma má medida porque pôs o sector público mais uma vez a suportar uma medida, de forma encapotada e em desrespeito pela iniciativa privada. Não está em causa a restruturação, mas sim forma como se o faz.
Ainda acredita que apareçam interessados na privatização da SATA nas condições em que o Governo pretende?
Não sabemos, neste momento, o que pretende o Governo porque foi interrompido o processo e avançada a promessa de um novo procedimento com ajustamentos que ainda desconhecemos. É importante que sejam conhecidos e que se perceba bem o que, de facto, vale a SATA como está. Não podemos estar de ilusão em ilusão relativamente a estes processos.
Em que fase está o problema dos pagamentos a fornecedores e às empresas para recapitalização? Tudo na mesma?
Nos pagamentos em atraso, aguardamos a execução da transformação de 75 milhões de euros de dívida comercial em dívida financeira, segundo autorização prevista em Orçamento de Estado e com despacho favorável da tutela, resolvendo parte dos pagamentos em atraso. Fica a faltar outro tanto ou mais que esperamos sejam contemplados no Orçamento de Estado para 2025 e, igualmente, no Orçamento da RAA. Não está tudo na mesma, mas ainda falta a evidência da execução.
Quanto aos programas de recapitalização, particularmente os do PRR, o CESA já deu nota clara do ponto da situação – inspira muita preocupação e exigem ação.
Acredita que as verbas do PRR vão ser todas aplicadas?
A aplicação ou não das verbas do PRR é da inteira responsabilidade das autoridades regionais. Importa rever o que não está a funcionar em tempo útil.
Os empresários do turismo estão apreensivos com o Inverno IATA. O Governo diz que a sazonalidade está a decrescer. Há motivos para preocupações?
O Governo diz que a sazonalidade desceu de 2022 para 2023, o que confirmamos. A nossa preocupação, no entanto, centra-se em 2023 versus 2024. Se o inverno é relativamente menos bom do que o verão, como tem sido, a sazonalidade agrava-se.
Não há como ler o fenómeno de outra forma. Os empresários preocupam-se com indicadores diferentes daqueles que o governo utiliza até porque para além dos turistas, das dormidas e dos proveitos, têm de olhar para os custos e estes têm-se agravado e muito, em toda a linha desde os salários à energia e aos custos de financiamento.
Como prevê o próximo Orçamento Regional, que deverá começar a ser preparado na rentrée? Há condições para ser aprovado?
Esperamos que o orçamento seja objeto de consensualização e ponderação para o bem dos Açores. Se há ou não condições para que isto aconteça depende das opções de agenda dos partidos com assento na ALRA.
Sobre a revisão da Lei de Finanças Regionais, devemos avançar já e defender o pagamento dos sobrecustos da educação e saúde por parte do Estado?
Devemos avançar já com uma perspetiva global que não é só dependente da saúde e da educação porque o problema é transversal a todas as responsabilidades do Estado na Região. A saúde e a educação são problemas mais visíveis em função de eventos recentes como a pandemia e o evento infeliz do incêndio do HDES. Mas existem outros eventos infelizes como as tempestades que têm depauperado a infraestrutura da Região, sem uma solução tranquila para estes eventos.
A LFRA está, neste sentido, em fim de linha, como estão os cabos do anel CAM. Precisa de uma revisitação à sua essência que é o critério de atribuição aos Açores e Madeira dos recursos necessários para que os Governos Regionais possam exercer nas respetivas regiões as funções de Estado, na educação, na saúde, nas infraestruturas e em todas as políticas capazes de cumprirem com a convergência que está prevista na constituição. A lei falhou neste desiderato complexo, mas exequível, que exige empenho e bom senso de todas as partes.
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