António Simas Santos, conhecido empresário do sector do turismo da ilha do Pico, médico e activista político, colaborador regular do nosso jornal, está preocupado com o rumo de alguns sectores de actividade na nossa Região e alerta para os perigos e desafios, especialmente na área do turismo. Nesta entrevista chama a atenção de que, se optarmos por um turismo de qualidade, teremos de preparar a Região para uma resposta global adequada a esse tipo de turismo.
Em não poucas partidas do mundo o turismo está a ser contestado pelas populações locais e já mesmo pelas autoridades, juntando-se análises de economistas, sociólogos e outros que chamam a atenção para os problemas sociais e económicos causados pelo turismo intenso. Esta reação era esperada?
Num recente artigo, um conhecido economista da nossa praça citava um relatório da OCDE em que esta organização internacional chama a atenção para os impactos desequilibrados do turismo que nem sempre revertem a favor das comunidades locais.
O crescimento exponencial do turismo que se está a viver em Portugal e na Região é de molde a criar grandes preocupações, sobretudo num microcosmo delicado como é o nosso.
Como é lógico, a generalidade dos políticos adora mostrar estatísticas de crescimento económico vigoroso, mas, raramente, se preocupa com os impactos negativos a médio e a longo prazo para as populações. É em zonas como Málaga e Barcelona que a grande intensidade turística comprova que o excesso de turismo já é uma realidade palpável e indesmentível, com todo um cortejo de impactos negativos.
Em que ponto estamos nos Açores no que diz respeito à indústria do turismo e aos seus impactos nas nossas ilhas? Já são notadas alguma reacções negativas face a esta actividade?
Felizmente, estamos ainda muito longe dos exemplos que citei, mas há ilhas em que essa intensidade já se sente. Estamos, portanto, chegados a uma altura em que é imperioso decidirmos se estamos perante mais um ciclo económico, quase monopolista, de pés de barro ou se já entramos, objectivamente, num excesso de turistas que, a curto prazo, terá impactos muito negativos para a nossa população.
Penso que é imperioso – e essa será a nossa bala de prata – decidir se o turismo é o nosso grande futuro ou apenas um sector económico com importância, mas que deve ser contido de modo a não canibalizar os restantes sectores.
Devemos, desde já, calcular, da forma o mais objetiva e científica possível, a carga de turistas que os Açores podem suportar sem impactos devastadores na diversificação da restante economia e, sobretudo, na qualidade de vida das pessoas. Decidindo, simultaneamente e em definitivo, qual é o nosso produto turístico que gera, efectivamente, mais valor acrescentado.
Que tipo de turismo devemos procurar nos Açores e que promoção devemos fazer para angariar esses turistas? A actual promoção está vocacionada para algum segmento que nos possa interessar em especial ou será uma espécie de rede de malha apertada que apanha que apanha tudo o que aparecer?
Julgo que ainda estamos numa fase de novo-riquismo do turismo, em que tudo o que vem à rede é peixe.
A nossa promoção ainda é de malha muito apertada porque o debate profundo sobre o que queremos para o turismo está por fazer. Só após fazermos esse debate será possível decidir que turistas queremos e também só então será possível definir a promoção que queremos fazer, bem como o tipo de equipamentos que devemos fomentar e apoiar.
O Butão, por exemplo, quer ver-se livre dos turistas para continuar a ser o Butão e para isso começou a aplicar taxas de 200 euros por dia a cada visitante. Esse pode ser um caminho se os Açores quiserem preservar a sua identidade ou prefere outras opções?
O caso do Butão nunca servirá de exemplo para os Açores.
É um caso extremo que em nada se coaduna com a nossa realidade e com nosso povo. A nossa opção deverá ser de pequenos passos, depois de definirmos o que queremos. Se optarmos, por exemplo, por um turismo de qualidade teremos que preparar a Região para uma resposta global adequada para esse tipo de turismo, acabando com a política de tudo que vem à rede é peixe e preparando as nossas infraestruturas públicas e privadas para um nível de exigência muito acima daquele que temos.
O que fazer em jóias que temos, como estruturas naturais ou Angra do Heroísmo, para preservar o que é nosso que é Património da Humanidade, e, em simultâneo, montar uma indústria de turismo que respeite habitats naturais e humanos e as próprias estruturas construídas? Há algum modo eficaz que conheça?
Julgo que o exemplo de Angra do Heroísmo é paradigmático.
Tendo sido, por duas vezes, capital do reino, campeã do liberalismo europeu e entreposto das caravelas das índias, ocidentais e orientais, a ilha Terceira é possuidora de uma Angra do Heroísmo e de uma Praia da Vitória. Palmarés inigualável em todo o Arquipélago. Não esquecendo a presença/exílio, durante cinco anos, do Rei Afonso VI.
Em pleno séc. XXI, a Terceira poderia estar de cabeça levantada e pronta a utilizar em seu proveito todos esses muitos e valiosos recursos que facilmente podem fundamentar uma marca que bem poderia ser: Terceira – a Ilha dos Reis.
Dos reis que lá tiveram a sua capital ou do que lá viveu.
A ilha bem poderia tornar-se num grande parque temático: recriando – a título de exemplo – as chegadas e saídas das caravelas das Índias, a vida na corte real, o exílio de Afonso VI, a resistência da Praia da Vitória ou o heroísmo de Angra e tantas outras situações daqueles tempos históricos inolvidáveis.
Tudo isso poderia tornar Angra do Heroísmo e a Ilha Terceira num produto turístico de elevada qualidade, sem paralelo.
A economia açoriana tem historicamente ciclos e o próximo só sobressai quando o anterior se esgota e assim sucessivamente. Podemos estar a caminho de sair do ciclo da vaca (as transições são por vezes pouco perceptíveis em determinados estádios) para entrarmos no ciclo do turismo. Consegue vislumbrar essa transição ou pelo menos apetênciA para ela?
Do modo que as coisas estão, tudo aponta, infelizmente, para isso. Não sendo demasiado tarde, não é cedo demais para inverter essa tendência ancestral.
Havendo, contudo, um exemplo brilhante: o ressurgimento vinhateiro da ilha do Pico, que se tem vindo a tornar numa diversificação de grande impacto na economia daquela ilha.
Havendo muitas outras oportunidades especiais, como é caso de geotermia e do nosso mar sem fim, a título de exemplo.
Na minha opinião, estamos longe de estar confrontados com o dilema entre a vaca e o turismo. Basta que fluam imaginação, criatividade e vontade política q.b..
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