“O envelhecimento populacional e o decréscimo da natalidade está a inverter
a pirâmide etária, no que resulta muitos mais idosos para cuidar e muito
menos jovens (e não jovens) para o fazer, e suportar financeiramente,
no contexto familiar e social.”
“Somos a favor da criação imediata de um programa de desenvolvimento conceptual para um novo Hospital, construído de raiz, para trabalhar e articular intimamente com a unidade existente, num conceito de Centro Hospitalar e de Integração de Cuidados”.
- O que faríamos no “velho” HDES?
Alguns cépticos desta solução de um “Centro Hospitalar” em S. Miguel poderão perguntar – “o que vamos fazer e como tornar útil uma estrutura aparentemente tão grande para as nossas necessidades? Como suportar todos os custos inerentes a um Hospital de “Agudos” mais esta estrutura a funcionar em pleno? Com que nível de recursos humanos poderia trabalhar esta unidade sem que se tivesse de aumentar em muito o número de trabalhadores?”
Perguntas pertinentes e sensatas a meu ver e para as quais tem de haver respostas cabais e convincentes. As respostas serão à medida das nossas necessidades e ambições para o tal Seistema/Serviço Regional de Saúde dos próximos 50 anos e têm de assentar em fundamentos científicos já conhecidos e que nos são trazidos pelos dados de evolução demográfica e pelas tendências de prevalência de doença na comunidade que nos revela a epidemiologia clínica. O envelhecimento populacional e o decréscimo da natalidade está a inverter a pirâmide etária, no que resulta muitos mais idosos para cuidar e muito menos jovens (e não jovens) para o fazer, e suportar financeiramente, no contexto familiar e social.
As doenças crónicas do foro físico e psiquiátrico com múltiplas morbilidades estão aí a aumentar exponencialmente.
A doença aguda sempre existirá como fazendo parte da história natural do humano e o seu desenvolvimento. É fundamental preveni-la tanto quanto possível para que alguma dela com evolução crónica assuma a menor carga de morbilidade para o doente e a sociedade.
Se, na prevenção e detecção precoce da doença, os Cuidados Primários de Saúde (CSP) são a peça fundamental do Sistema, os Cuidados Hospitalares (CH) e Cuidados Continuados e Paliativos (CCeP) são os dois outros níveis que constituem a Rede de Cuidados Integrados de Saúde (CIS); em complementaridade, no nosso Sistema, os Cuidados em Medicina Convencionada, Social e Privada (MC), assumem importância significativa. A chave deste intrincado e complexo Sistema é, obviamente, a Integração dos Cuidados. Para se atingir este estádio é preciso fazer um esforço gigantesco de organização na definição de Políticas e Prioridades de Saúde e, não menos importante, da Gestão dos diferentes níveis em que assentam tão exigentes planos de intervenção.
É nesta afinada estrutura em Rede de Cuidados que se aumenta a eficiência de todos os recursos disponíveis e, por consequência, se diminuem os múltiplos factores de entropia e desperdício actuais. Sim, perdem-se milhões de euros ao ano, e muita energia e paciência de doentes, com o desarticulado, descuidado e displicente funcionamento dos circuitos do doente ao longo do processo consulta/detecção diagnóstico-tratamento. Este é um verdadeiro “cancro” do nosso SRS, raiz profunda das descontroladas listas de espera em quase todas as fases do seguimento na doença da nossa população, tão mais grave quanto mais longínquas, isoladas e carentes de meios as ilhas estão. O que resulta, também, num SRS iníquo no todo regional.
E o que leva toda a gente a “gritar”, utentes incluídos, que são precisos mais meios e recursos humanos e financeiros (nesta lógica, sempre insuficientes..). Ninguém quer levar a sério os importantes factores de marcada entropia, ineficiência e desperdício do SRS.
Estamos cegos pela vertigem dos dias, pelo imediatismo das nossas vidas e, já agora, pela política sectária e irresponsável da não cooperação e diálogo construtivo entre parceiros idóneos.
- Reinventar o “vellho” HDES
Ficou claro acima que a função natural desta unidade seria para alocar os casos que transitariam dos cuidados “agudos” para uma fase de estabilização da doença – Cuidados Continuados -, preparatória para a reintegração plena na comunidade familiar e social, na maioria dos casos. Noutros casos, pela gravidade prognóstica e sintomática, pela muito limitada esperança de vida, emergiria a necessidade de Cuidados Paliativos. Noutros casos ainda, pela cronicidade das doenças, limitações funcionais e dependências várias, nomeadamente as resultantes de ausência de enquadramento familiar minimamente condigno, os doentes aguardariam por uma solução de cariz social – residências assistidas, lares sociais públicos ou privados.
Seria esta estrutura a sede de um Departamento Multidisciplinar de Hospitalização Domiciliária e Telemetria Clínica, de responsabilidade partilhada entre a Saúde (assistencial) e os Assuntos Sociais (financeira), com um papel coordenador muitíssimo relevante das equipas chefiadas pelas especialidades de Enfermagem hospitalar e comunitária e Serviço Social.
Também de um Centro de Cirurgia de Ambulatório e Pequena Cirurgia (?)
Haveria espaço para um Serviço, central e regional, de Medicina Física e Reabilitação de Grandes Incapacitados, agudos e crónicos, com Internamento, que servisse os pacientes dele necessitados de todas as ilhas.
O Serviço de Psiquiatria e Psicologia poderiam dispor de uma Unidade Integrada de Internamento, Consulta Externa e Hospitais de Dia (ou outra fórmula que se entendesse mais correcta), onde fosse contemplada, também, uma importante Unidade de Reabilitação de Toxicodependências.
Seria desejável alojar também – em vez da dispersão logisticamente cara por todos os Centros de Saúde – um Centro Comunitário de Estomatologia e Medicina Dentária.
De um Projecto de Telemedicina, estrutura e orgânica, e cuja sede poderia residir nesta unidade, abordaremos em artigo posterior.
Guilherme Figueiredo*
*Ex-Director do Serviço de Reumatologia do HDES/
Dir. Executivo da CAL-Clínica