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De novo, e sempre, as roqueiras do meu eterno descontentamento

Há tradições e tradições, e se bem que, de uma forma geral, apoie e sustente a preservação de grande parte delas, admito que com os anos e séculos, fruto da ecologia, tecnologia e outras ciências, algumas dessas tradições estão condenadas e devem ser abolidas ou modificadas.
Refiro-me a uma recente proposta (que, infelizmente ainda não encontrou eco legal) do partido PAN para acabar com o ruído, eliminando as roqueiras e morteiros (foguetes ou petardos) ou substituindo-as por outras silenciosas. Raramente estou de acordo com o PAN e seus extremismos, mas dei comigo a aplaudir a proposta ao contrário da ANAFRE que temia perder votos.
É a partir de maio e até finais de setembro que o tormento surge. Começa na época do Espírito Santo e em todas as ocasiões (e parecem ser semanais) há as roqueiras (os tradicionais foguetes ruidosos, chamam-se foguetes trauliteiros) que impedem qualquer descanso, assustando animais e humanos a qualquer hora do dia e da noite. Costumo dizer que se eu mandasse, sei onde os metiam …. nunca mais acendiam nenhum foguete…
No dia 26 de maio 2024 os mordomos dum qualquer Império na Lomba da Maia devem ter-se esquecido da crise e toca a fazê-los rebentar, a todas as horas, entre as 07.20 e as 24.00 com curtos intervalos de descanso e silêncio. Em vinte anos foi o dia com mais foguetório de que me lembro, tive de manter as janelas fechadas apesar da temperatura amena de 20 ºC e uma das minhas cadelas passou o dia aterrorizada a urinar por toda a casa e a tentar esconder-se debaixo dos meus pés, aqui na secretária, donde escrevo este lamento que, infelizmente, ninguém vai ouvir e muitos irão criticar. Este ano foi o pior de todos de que me lembro, pois havia 4 mordomias em semanas seguidas antes do Império maior.
Sinto que com estes artigos que todos os anos insisto em publicar, republicar e rever, posso ser discriminado. Haverá, quiçá, até uma certa xenofobia e a velha afirmação de que nem sou de cá (só cá estou há 20 anos, a minha mulher foi enterrada cá e eu também o serei)…
Nunca esqueço o que outro (vizinho) em tempos me disse, “ó senhor, isto não é a cidade” e a desculpa tola de que como é tradição sobrepõe-se a toda e qualquer lei que exista ou venha a existir.
Qualquer festa, festarola ou celebração (até no desporto futeboleiro) vem sempre acompanhada de foguetes estrelejando nos céus com o seu caraterístico bum, que ainda hoje ninguém me conseguiu explicar para que servem.
Já tentei entender se tem a ver com frustrações edípicas ou outras, com sexualidades reprimidas ou quejandas mas nada descortinei que as pudesse explicar, de forma satisfatória.
Além do inconveniente para tímpanos mais sensíveis, há o desassossego de animais domésticos e outros que entram em pânico com o barulho, como há anos observamos cá em casa.
Depois, há o incumprimento das normas e horários. Quando interrogo algum dos nativos logo me respondem “isto não é a cidade, senhor”. Começam normalmente pelas 07 da matina e vão até bem depois da meia-noite, à revelia de posturas municipais, e outras leis que definem o período em que podem ser lançados tais foguetes.
Ecoam como canhões, desde manhã cedo até noite adiantada rompendo o silêncio do descanso da madrugada. As roqueiras ao contrário do fogo-de-artifício são só barulho sem cores nem desenhos elaborados riscando os céus.
Na última semana de agosto nas festas da Senhora do Rosário o tormento aumenta aqui na Lomba da Maia, depois vêm as festas da Maia, Porto Formoso, e das restantes freguesias e paróquias circundantes…Se, ao menos, eu tivesse aprendido com os ursos a hibernar!
Mais assustador é ver como os açorianos primam pelo desconhecimento e incumprimento de normas de segurança, em geral. É vê-los de cigarro na boca, a acender o rastilho e lançar o projétil ao ar. Parecem crianças com um brinquedo, deveras perigoso, mas a irracionalidade de os lançar a qualquer hora confunde-me e irrita-me.
Sei que somos poucos, uma minoria talvez de descontentes com esta tradição, a precisar de leis e normas mais rígidas e uma fiscalização que hoje é inexistente, para se acabar com este flagelo auditivo nas suas múltiplas vertentes de perigo além do inconveniente estrondo.
Um dia isto vai acabar, como tanta outra tradição que o tempo despromoveu para o arquivo morto da memória, mas temo que não seja já no decurso dos dias que me sobram.

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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