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A Nona Sinfonia de Beethoven fez 200 anos

“Tenho-me muitas vezes perguntado se algumas das composições mais arrojadas dos criadores musicais contemporâneos vão conseguir ser ouvidas daqui a 200 anos e fico com grandes dúvidas… Parecem-me tão chocantes as dissonâncias e até excessivos, quando não mesmo disparatados, os experimentalismos, que chego a temer algumas de tais peças não passem da sua estreia mundial…”

Foi já há alguns meses que passou o ducentésimo aniversário da estreia da Nona Sinfonia, em 7 de Maio. Ando desde tal altura com o tema em carteira, mas outros têm-se atravessado, com maior actualidade. Em todo o caso, não podia deixar de dedicar algumas reflexões a esse acontecimento, pois tenho a peça em questão como uma das obras maiores da Grande Música, que não me canso nunca de ouvir. Aliás, já sobre ela escrevi vários textos aqui publicados.
O que antes de mais nada me impressiona é a perenidade da Nona. Haverá outras peças musicais igualmente antigas, e até mais, que continuam a se r executadas regularmente e constam dos repertórios das grandes orquestras de projecção mundial. Mas poucas são as que despertam a emoção da Sinfonia em causa e por isso têm assegurado sempre numeroso e entusiástico público.
Tenho-me muitas vezes perguntado se algumas das composições mais arrojadas dos criadores musicais contemporâneos vão conseguir ser ouvidas daqui a 200 anos e fico com grandes dúvidas… Parecem-me tão chocantes as dissonâncias e até excessivos, quando não mesmo disparatados, os experimentalismos, que chego a temer algumas de tais peças não passem da sua estreia mundial… Pelo menos foi tal a sentença que formulei há alguns anos atrás ao ouvir uma dessas composições num concerto em Lisboa! Mas talvez estivesse enganado e, contrariando a minha impressão, a Autora venha a consagrar-se como compositora de renome e projecção pelos tempos fora.
No próprio dia do aniversário, a Orquestra Filarmónica de Viena executou, em directo da bem conhecida sala onde realiza o tradicional Concerto de Ano Novo, no edifício do Musik Verein da capital da Áustria, em concerto comemorativo, a Nona Sinfonia, sob a batuta de Ricardo Mutti, o seu Maestro Titular. Pude seguir a histórica transmissão através do Canal Mezzo e posso garantir que foi deveras excelente. A responsabilidade dos executantes era muito grande pois a Nona Sinfonia foi estreada em Viena, num concerto que, dizem o próprio Beethoven terá dirigido, nos salões de um dos aristocratas que actuava como seu Mecenas, estando já então completamente surdo, o que parece impossível.
O Mezzo assinalou a data bicentenária apresentando outras versões da mesma Sinfonia por diferentes executantes. Pude assim assistir a uma outra gravação da Filarmónica de Viena, com Christian Thielemann, que se excedeu na direcção da peça e fê-lo sem recorrer à pauta, o que só os grandes se atrevem a fazer, mas não Mutti, na execução mencionada. Noutro dia o Mezzo incluiu na programação a histórica gravação a que aqui já alguma vez aludi, feita em Berlim, pouco tempo depois da queda do Muro, com orquestra e cantores de várias proveniências, numa exaltação da Liberdade (Freiheit) em vez da Alegria (Freude), dirigida pelo conhecido Maestro e Compositor norte-americano Leonard Bernstein, que demonstrou ter a peça toda memorizada.
No mesmo canal pude ver do princípio ao fim uma gravação da Nona pela Orquestra Filarmónica de Berlim, sob a direcção de Herbert von Karajan. Tenho todas as Sinfonias de Beethoven gravadas pela mesma Orquestra e Maestro em CD, que comprei em Berlim, numa estonteante loja de discos de música clássica, situada salvo erro na Wilhelm Strasse. De lá trouxe também uma gravação histórica da Nona sob a direcção de Furtwangler, com a Orquestra e Coro do Festival de Bayreuth, mas julgo que nunca tive ocasião de a ouvir, apesar de entre os solistas se destacar a soprano famosíssima Elisabeth Schwarzkopf. Não foi grande ideia ter Furtwangler dirigido tão famosa peça numa festa de aniversário de Hitler e daí resultaram mais tarde alguns dissabores.
Adquiri há pouco tempo a gravação em video das nove sinfonias de Beethoven pela Orquestra Filarmónica de Berlim sob a direcção do seu anterior Maestro Titular Simon Rattle. Tenho também a mesma peça executada num concerto ao ar livre, aqui igualmente mencionado, pelo actual Maestro Kirill Petrenko. No Youtube encontrei uma vez o Hino da Alegria cantado por um coro de 10 mil vozes, o que só se conseguiria fazer na China e era de facto impressionante.
Duzentos anos depois de ter sido composta e estreada, a Nona Sinfonia de Beethoven mantém a força e o encanto de uma peça imortal. Dos temas dos vários andamentos temos dificuldade em libertar-nos; mas quando se chega ao último e irrompe a voz do barítono desafiando-nos para sons diferentes, então tudo flui com uma surpresa nova. A Alegria é saudada como força divina e veículo de união de todos os homens e mulheres! À Humanidade apela-se para que se una e partilhe a Alegria. Ao beijo universal da unidade deve corresponder um Pai Comum, oculto para além do manto das estrelas.
Procurei no livro de Romain Roland pistas de reflexão sobre o sentido da Ode à Alegria, de Schiller, na Sinfonia de Beethoven. Curiosamente nada encontrei sobre o propósito do poeta esconder detrás da Alegria outra qualquer realidade, desafiadora da Censura da época, que é comum tal elaboração… A autoridade de Roland aponta apenas para a Alegria como motivo mais do que suficiente para mobilizar o compositor e os seus ouvintes através dos tempos. E não foge das implicações metafísicas e religiosas de tal escolha. Assim o saibamos compreender hoje em dia, em tempos de tanta tristeza, com toda a devida plenitude.

João Bosco Mota Amaral*

*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico)

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