só há nuvens brancas e densas
que ocultam o azul do céu
porque amanhã os rios transbordarão
com as suas águas cobertas de sangue
e todos se recusarão a banhar nelas
todos procurarão esconder os olhos
tapando-os com as mãos
para não verem boiar os corpos
que em lutas fratricidas
se apunhalaram uns aos outros
irmãos ou desconhecidos
com os braços estendidos como se fossem baionetas
prontas a disparar sobre o que se move
para além da margem do rio
e da sombra da árvore que oculta
quem dispara se esconde ou se defende
o que fica depois disso
é uma planície de ossos que se estende pela terra
para servir de pasto
- pois que a carne foi corroída pelos abutres –
num agonizante ruído que faz
sobre os ramos secos e as folhas caídas
o pisar das patas dos lobos e dos cascos dos cavalos
deambulando ao grito do grasnar dos corvos
espreitando a curva da noite
encobertando e obscurecendo o lirismo dos girassóis
também eles cobertos de sangue
Victor de Lima Meireles