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História da Autonomia Açoriana: onde nasceu 1/3

Vou finalizar este projeto de ensaio semanal e jornalístico, antigo e sistémico, com estes três textos: o 1.º sobre a localização do nascimento da autonomia açoriana; o 2.º sobre os elementos para a construção da História Política dos Açores; e o 3.º sobre a matriz genética da autonomia insular.

  1. Local, momento e data do nascimento da autonomia açoriana

Para muitos a autonomia política dos Açores nasceu em 1976; para outro tanto ela nasceu em 1895 e esta versão corresponde ao discurso político da Região. Nenhuma das duas estão certas: a 1.ª, porque os Açores já tinham autonomia política desde o início da sua história que acontece com o povoamento; a 2.ª, porque a designada autonomia administrativa foi, em teoria, inserida no país pelo liberalismo da Constituição de 1822 e implementada em 1836. Mas não é apenas por estes factos que estão equivocadas aquelas ideias; também é porque, por um lado, nenhuma delas determina o que entende por autonomia política e, por outro lado, porque a história política de uma localidade inicia-se no princípio daquilo que transmite um ideário de autonomia.
A história dos Açores dá-nos dados fidedignos de como tudo começou, e por que razão e em que lugar. Por isso é perfeitamente possível olhar para o esquadro temporal dessa história para determinar um conceito de autonomia política verificável à ciência: um sistema formal ou informal, fixo ou transitório, constitucional ou apenas legal ou contratual, de autogoverno de uma localidade adentro de um espaço político global. Este conceito, que desenvolvemos em 2001, por si só, já nos dá todas as informações: exatamente porque ele é baseado na história e não apenas na teoria, porque ele parte da realidade verificável para a hipótese e depois para a teoria.
Ao longo dos anos fomos, aqui e ali, apontando a cidade de Angra do Heroísmo como a cidade autonómica. É cidade autonómica; não só porque teve na sua responsabilidade durante vários anos e séculos parte da governação das ilhas açorianas; mas também porque ela é o local preciso dessa qualidade, quando acontece o primeiro ato substancial que nos dá essa informação.
As ilhas logo nos primórdios do seu povoamento tinham já uma ideia de pertença conforme é verificável, em geral, nas populações ilhéus. Mas também ela poderia estar reforçada por via do método da sua governação: era um arquipélago, é certo, mas cada ilha tinha o seu próprio governo, o seu capitão que geria livremente as suas funções perante o donatário distante. Isso é verificável, e está amplamente estudado. Angra, pela situação geoestratégica, torna-se, desde o início um ponto central no arquipélago: tem hospital em 1508, é elevada a cidade em 1533, são implementados o Bispado e a Diocese em 1534, o Seminário em 1568 e em 1578 adquire privilégios de “cidade república”. Era a capital do reino nas ilhas, porque aqui se concentravam os serviços centrais do reino para as ilhas, através do controlo dos mares e dos impostos estaduais. Uma cidade cosmopolita e prenhe de ideais políticos pela centralidade desse poder.
Em 1580 o país estava nas mãos de Espanha, embora apenas fosse aclamado como tal em 1581. Espanha investia na Terceira precisamente porque Angra era o centro do poder régio que advinda da sua centralidade no arquipélago, do seu natural porto de abrigo; ilustra-o a magnitude do Castelo de São João Batista, a fortaleza do Monte Brasil, que servia para manter esse controlo: interessava a Espanha a centralidade geopolítica devido à fortuna das rotas marítimas. Nessa altura a Terceira era já uma ilha-república com poderes de governação central, razão para D. António encontrar guarida na ilha com a ajuda dos ingleses e franceses, e em 1582 foi criada a Casa da Moeda e cunhada a primeira moeda com um açor o que era já uma marca distintiva da unidade do arquipélago. A história é conhecida. Na década de 1580, e dois documentos, do mesmo período, são centrais na interpretação do sentimento autonómico. Os dois são feitos por carta do corregedor Cipriano de Figueiredo, então Governador Geral dos Açores, e em convénio com os seus pares. Uma é dirigida à Câmara de Ponta Delgada: «uma mulher mesmo pouco séria não se entrega sem ser requestada», e outra ao rei estrangeiro: «antes morrer livres que em paz sujeitos”.
A 1.ª carta era contra a divisão do arquipélago, pois S. Miguel ao dar conhecimento ao rei estrangeiro que aceitava, com Stª. Maria, o seu poder régio contra a fação de D. António, abandonava as restantes ilhas à sua sorte. E isso era crucial para a defesa da Terceira porque caindo esta, as restantes cairiam por natureza. Esta carta tem de ser lida no contexto de então, no sentido estrito da história; mas não só: ela também constitui uma ideia que se transforma ao longo dos séculos, porque são estes elementos que se vão perpetuando nos anos e séculos e que traduzem depois uma história geral e a tessitura do que somos agora. Se somos o que comemos ontem, de igual sorte somos o que fomos no início das nossas vidas de ilhéus. Se, como aconteceu nos trabalhos preparatórios da Constituição de 1822, tivéssemos sido classificados como ilhas ultramarinas que tinham um regime jurídico muito diferente das ilhas açorianas e madeirenses (ver “As Regiões Insulares nas Primeiras Constituições Portuguesas…») – o que seríamos hoje?
A 2.ª carta era a favor do arquipélago: preferíamos morrer como portugueses em sete pequenas ilhas do que vivermos sem a nossa identidade autonómica, sem a nossa autonomia funcional de cada uma das ilhas comandadas por uma no interesse coletivo de todas. Também neste caso, este documento não pode ser lido isoladamente na compreensão dum sentir meramente social e cronológico; ela tem de ser lida corretamente, extraindo-lhe, da soma da sua história, os valores que têm nesse caminho.
Ou seja, o primeiro grande acontecimento histórico da autonomia açoriana, o 1.º grande acontecimento da consciência autonómica em nome das ilhas, aconteceu na Terceira e coincide com o momento da consagração da divisa açoriana, «Antes morrer livres que eu paz sujeitos». É por isso que designamos Angra do Heroísmo a Cidade Autonómica; e é também por isso que a designamos por Cidade Património porque entre os elementos da elevação da cidade património da humanidade pela Unesco está precisamente as rotas marítimas que tornavam Angra a cidade-estado, prenhe dessa consciência política de cidade-mãe que lhe foi característica.

Continuamos no próximo.

Arnaldo Ourique

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