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Exemplo para todos os Açores

A celebração dos 490 anos da Diocese de Angra e Ilhas dos Açores, ocorrida no passado dia 3, trouxe-me à memória a inauguração da Sé Catedral reconstruída, ocorrida no próprio dia em que se festejava o 450º aniversário da Bula Papal que a erigiu, desanexando-a da do Funchal.
Foi um dia memorável, embora já poucos se lembrem disso. Veio presidir á cerimónia, em representação do Papa João Paulo II, então reinante, o Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom António Ribeiro, e com ele vieram também vários Bispos residenciais de dioceses portuguesas. O Papa enviou para a ocasião uma mensagem, em que falava das pedras vivas, que somos cada um dos cristãos, muito mais importantes para as nossas ilhas dos que as pedras com que se tinha posto novamente de pé a Santa Sé do Salvador. O nosso Bispo, Dom Aurélio, não cabia sem si de contente – e nós também não, todos os membros do Governo da Região Autónoma dos Açores então em funções, porque nos tínhamos envolvido desde o início no processo e o víamos concluído com tanta beleza e senhorio.
Tudo começara naquele 1 de Janeiro fatídico, com o grande terramoto, que deitou abaixo, nos poucos segundos que durou, a cidade de Angra do Heroísmo e muitos milhares de casas de habitação em redor da ilha e ainda na Graciosa e em São Jorge. De um momento para o outro as pessoas ficaram sem teto para se abrigarem e às suas famílias, ainda assim dando graças a Deus que lhes tinha poupado as vidas, enquanto mais de seis dezenas não gozavam da mesma sorte. Em São Jorge houve mesmo quem desaparecesse para sempre, esmagado nas terras que se precipitaram no abismo.
O relógio da Sé ficou marcando sinistramente a hora do terramoto, parado nas 15.40h, salvo erro, como testemunha muda do terrível desastre. Vi-o logo no dia seguinte, quando me desloquei à Terceira, para visitar as vítimas e os estragos, em companhia do Presidente da República Ramalho Eanes, que veio de Lisboa, num avião militar, e ainda chegou antes de mim. No interior do vetusto templo reinava a confusão, com imagens caídas, muita poeira e o teto aberto em vários sítios.
Logo no dia 4 foi lançada a palavra de ordem: “Enxugar as lágrimas e arregaçar as mangas!” Era o que havia a fazer! Contra as fantasias de arrasar tudo o que existia no local e construir uma grande e nova cidade moderna, optámos por restaurar o que sempre nos habituáramos a ver e admirar. E assim, como a fénix da mitologia, renasceu a Angra quinhentista, reconhecida depois como Património da Humanidade.
O caso da Sé foi encarado de modo especial. Tratava-se de um monumento regional, de interesse para todas as nossas Ilhas, como cabeça e mãe de todas as igrejas por cá existentes, numa época em que as nossas raízes cristãs estavam bem firmes e visíveis. O Governo Regional assumiu a sua reconstrução e deu-lhe até a merecida prioridade.
Acontece que tal tarefa foi semeada de incidentes de relevo. Quando as obras começaram, seguindo um guião tido por adequado, caiu uma das torres e foi preciso começar de novo e rever os critérios de restauro adoptados. Retomados os trabalhos, com a data limite já marcada, se bem me lembro, de modo a ter tudo pronto para os 450 anos da Diocese, um grande incêndio devorou o que ainda restava, incluindo as preciosas talhas dos altares e até o órgão de tubos, e o que já fora refeito. Foi preciso começar tudo de novo, com a noção de que assim se dava um exemplo de resistência às contrariedades, válido para todos os Açores e para todos os Açorianos, que aliás seguiam interessadamente, numa prova inequívoca de unidade regional, o processo da Reconstrução. Como seria de esperar a prioridade dada a essa tarefa atrasou outras na globalidade dos Açores, mas isso foi compreendido e aceite, conforme foi possível comprovar até nas urnas de voto nas eleições que então se sucederam.
O incêndio que destruiu a Sé de Angra do Heroísmo, foi devido, segundo parece, a uma vela tolamente deixada a arder na borda de um altar, no pressuposto de que se extinguiria por si, o que não se verificou. Daí o meu pavor quando vejo velas acesas nas igrejas em cerimónias noturnas e a preocupação em garantir que sejam apagadas devidamente, antes de se desligarem as outras luzes e fecharem as portas até ao dia seguinte.
O Governo da Região Autónoma dos Açores não regateou recursos financeiros para a reconstrução da Sé e nisso não fez mais do que a sua obrigação, penso eu. Lembro-me de ter alguma vez comentado com o então Secretário Regional da Educação e Cultura, José Guilherme Reis Leite, que talvez nem sequer Filipe II teria sido mais generoso para assegurar que a Sé Catedral de Angra do Heroísmo reabrisse ao culto assim tão genuína e bela e com grandeza.

João Bosco Mota Amaral*

*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico)

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