Assim como já por diversas vezes aqui expressei e justifiquei, à luz de interesses diferentes e não por sectarismo político de qualquer espécie, a minha opinião frontalmente contrária a diversas posições publicamente assumidas pela Câmara de Comércio e Indústria de Angra do Heroísmo (CCIAH), nomeadamente no respeitante a uma incompreensível sofreguidão pelas privatizações na Região, igualmente considero dever expressar-me de forma diferente quando o caso em apreço assim o justificar.
E foi mesmo este o caso da intervenção pública de Marcos Couto, enquanto Presidente da CCIAH, na passada semana (dia 6 de janeiro). Uma intervenção que me pareceu, ao contrário de outras, extremamente lúcida.
Enquanto a febre da “monocultura” do Turismo como eixo principal e determinante da economia dos Açores parece irremediavelmente invadir todos os neurónios do Presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada (CCIPD), Mário Fortuna, e progressivamente estar a contaminar o essencial das decisões estratégicas do atual governo das direitas e das extremas direitas, por mais declarações públicas que façam sobre o seu foco na sustentabilidade do setor, o Presidente da CCIAH afirmou agora, com todo o bom senso, que os Açores têm obrigação de diversificar a sua economia e evitar entrar “num novo monociclo económico” alicerçado no Turismo…
Mais declarou que se torna necessário caminhar para além do que o Turismo possa oferecer e “promover uma autêntica diversificação da economia que deverá considerar três outras áreas estratégicas para o desenvolvimento regional, como sejam a economia digital, a agropecuária e agroindústria e a economia do mar”. Finalmente defendeu que o Turismo “não pode assentar em baixos salários, pelo que a elevação da qualidade do destino Açores é fundamental, e recusando que as nossas ilhas sejam consideradas como um destino “low cost”.
Palavras sábias que as direitas atualmente no poder têm dificuldade extrema em digerir…
E falando de um dos outros pilares estratégicos referidos por Marcos Couto, a agropecuária, também se torna necessário que os seus dirigentes abordem com mais cautela do que recentemente fizeram, juntamente com os governos tanto do PS como das direitas, as alternativas ao leite e laticínios, como foi o caso da carne e do encaminhamento e favorecimento apressados da reconversão das explorações leiteiras em explorações de carne.
Já aqui alertámos pessoalmente, tal como na altura o PCP/Açores igualmente fez, para os perigos imensos que poderiam advir da nossa concordância regional e nacional com o acordo comercial entre a União Europeia e Mercosul (América do Sul), o qual acabou por ser assinado em finais do ano passado de forma antidemocrática, mas com o consentimento tácito dos governos regional e da república, e contra os interesses dos agricultores e produtores portugueses e açorianos em particular. É dar espaço livre à grande produção agrícola industrializada que significa, em relação aos preços da carne, arrasar pura e simplesmente os nossos produtores familiares, particularmente os que aceitaram recentemente os incentivos à substituição do leite pela carne.
O acordo não entrará já em vigor, mas, a partir de 2025, o destino a curto prazo da nossa agropecuária fica traçado de forma negativa e totalmente antidemocrática pela União Europeia, isto é, sem ouvir os principais interessados, bem como o próprio povo em geral, como já aconteceu, aliás, com o Ato Único Europeu (1986), Maastricht (1992), Amsterdão (1997), Nice (2001) e Lisboa (2007)…
Mário Abrantes