Nos últimos anos, o termo wokismo tornou-se central nos discursos e debates políticos e culturais, tanto em Portugal como no resto do mundo. Derivado da expressão inglesa woke, que significa “desperto”, o conceito surgiu nos Estados Unidos como parte da luta pelos direitos civis. Inicialmente, representava a necessidade de estar consciente das injustiças sociais, como racismo e desigualdade, mas, atualmente, adquiriu contornos mais abrangentes e também mais controversos.
O wokismo tem origem nos movimentos sociais afro-americanos do século XX, especialmente durante as décadas de 1940 e 1960, quando era utilizado para alertar sobre o racismo sistémico. No entanto, o conceito expandiu-se para incluir questões de género, orientação sexual, identidade e inclusão. Hoje, representa um movimento que desafia normas estabelecidas e exige uma sociedade mais justa e igualitária. Embora o objectivo seja louvável, a maneira como o termo é utilizado e interpretado varia amplamente, gerando polarização.
No contexto global, o wokismo tornou-se um campo de batalha ideológico. Nos Estados Unidos, é defendido por progressistas como um chamamento à ação contra desigualdades estruturais, mas é criticado por conservadores, que o vê como uma forma de autoritarismo cultural. Um dos pontos mais polémicos é a chamada “cultura do cancelamento”, onde indivíduos ou organizações enfrentam retaliações sociais ou económicas por atitudes ou comentários considerados ofensivos. Esta prática, frequentemente associada ao wokismo, tem levantado debates sobre os limites da liberdade de expressão.
Apesar dos seus méritos, o wokismo não está imune a críticas. Uma das principais é o risco de polarização social. Ao enfatizar identidades e diferenças, pode contribuir para fragmentar a sociedade em vez de uni-la. Além disso, os excessos ideológicos associados ao movimento são frequentemente criticados por impor uma ortodoxia cultural que não admite questionamento. Para alguns, o wokismo tornou-se um fim em si mesmo, ignorando as complexidades das situações humanas em nome de uma interpretação dogmática da justiça social.
Por outro lado, os defensores do wokismo apontam para os avanços concretos que o movimento trouxe. Aumentou a consciência sobre desigualdades que antes eram ignoradas e forçou empresas, governos e indivíduos a enfrentarem questões incómodas. Também deu voz a grupos marginalizados, dando-lhes uma plataforma para expressarem as suas experiências e reivindicações. Para os apoiantes, o wokismo é uma ferramenta essencial para combater a apatia e a indiferença face às injustiças sociais.
Em Portugal, o debate em torno do wokismo é particularmente marcado pela sua instrumentalização política. Tanto à esquerda quanto à direita, o termo é usado como uma arma retórica. Políticos progressistasutilizam o conceito para se alinharem com causas, enquanto os conservadores o exploram para criticar aquilo que consideram ser uma imposição cultural. Mais à direita do que à esquerda, o wokismo é tratado de forma simplista, reduzido a um chavão que serve mais para mobilizar eleitores do que para promover um debate sério e informado.
No contexto regional, a situação torna-se ainda mais paradoxal. Políticos locais tentam, de forma forçada, incluir o termo wokismo no discurso público, numa tentativa, talvez, de parecerem modernos e alinhados com tendências nacionais e internacionais. Contudo, esta retórica choca com a realidade de uma região pobre, a mais pobre do país, a mais desigual nos rendimentos, onde já quase nem é possível fazer IVG, com a taxa mais elevada de violência doméstica a par do consumo de álcool e drogas, cuja estrutura política, social e económica está longe de ser moderna. Enquanto noutros países o wokismo se traduz em debates sobre inclusão e cancelamento, nos Açores tais dinâmicas ainda estão muito distantes.
Esta insistência em importar conceitos que não encontram eco na realidade local não só revela um desconhecimento sobre o wokismo, mas também evidencia um certo oportunismo. Em vez de se concentrarem em problemas concretos e práticos, os atores políticos optam por aderir a narrativas globais que pouco ou nada dizem à população regional. O resultado é um debate público vazio, mais preocupado em aparentar modernidade do que em resolver problemas estruturais.
É crucial que, em vez de se deixarem levar por narrativas simplistas, os intervenientes no debate público tratem o wokismo com a seriedade que merece. Isso implica reconhecer tanto os seus méritos quanto os seus limites e, acima de tudo, centrar a discussão nas questões fundamentais que o movimento procura abordar. Apenas assim poderemos avançar no combate às desigualdades e construir uma sociedade mais justa e inclusiva.
Daniela Silveira