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A sanidade, ou a sua falta, nos Açores

Encostem-lhe à parede. Se é isso que ele quer, que se faça. Encostem. Metam-no de mãos atrás das costas, a tremer com frio e com medo. Com a pele arrepiada e a alma amedrontada. Sem saber se daqui a umas horas vai dormir num chão frio ou numa cama morna, requentada com o preço de quem paga uma renda para partilhar casa com mil e um.
Encostem-lhe à parede e façam dele o mártir que almeja ser para a sua extrema.
Façam-no de slogans e frases feitas. Encham os canais de comunicação social com os nomes dos grandes e pequenos líderes.
Recordem os impérios fiscais, derrubados pelo mau génio de uns senhores do tamanho da sola do sapato.
Encostem-lhe à parede e tragam o funcionário dos serviços de manutenção municipal. Borrifem-no com glifosato. É bom para o mau ambiente. Encham-lhe as algibeiras com as moedas contadas do armazém que ainda conta com bens dentro do prazo, por vender desde a lei de proteção da saúde nacional. Desinfetem a alma ideológica do arquipélago, e nunca se esqueçam que por cada erva espontânea que se corte, seja à mão, seja com veneno, mais três vão renascer.
Encostem-me à parede. Digam-me que eu sou uma perigosa esquerdista de valores morais questionáveis, com uma vontade inquebrável de mudar o mundo para melhor.
Falem-me das canhotas e dos diabos, para nos lembrar que este ainda é o arquipélago dos jovens conservadores de terço ao final do dia.
Recordem-me o papel de uma mulher na cozinha, sem mencionar o efeito, mas apoiando a sua finalidade.
Encostem-nos à parede. Digam-nos em que medida almejam destruir o arquipélago. E depois procedam na conformidade da mesma, forçando os líderes a seguir uma estratégia que não é deles.
Segreguem-se escolas, creches e espaços públicos.
Ponham a andar daqui para fora aquelas pessoas que trabalham, para sobrar apenas as que andam nos corredores das assembleias da vida a pedir favores e a queimar tempo e paciência.
Encostem-lhes à parede. Não vale a pena voltarem as açorianas e os açorianos que vão ser deportados pelo idiota do poder do outro lado do Atlântico. Não queremos criminosos de t-shirt aqui nas ilhas. Os únicos que apoiamos são os criminosos de gravata. Que financiam os senhores das suásticas e dos planos de contingência democrática. As pessoas que forem corridas pelo outro senhor não merecem cá estar.
Mesmo que a única coisa de mal que tenham feito é ter ido em busca de uma Esperança.
Encostem pessoas doentes à parede. Afinal, a saúde mental não se vê numa radiografia, nem se diagnostica com uma análise sanguínea. Encostem profissionais de saúde à parede, pois mais sérios do que os perseguidores, não existem. E, depois, gritem que há falta de especialistas. Façam o número de sempre: dizer e fazer o seu contrário.
Encostem à parede a democracia. Já é tarde para essa velha senhora. Já devíamos saber que não há espaço para mulheres com alguma idade numa sociedade que só prevê a existência feminina até ao prazo de validade sexual de um público sedento de estrelas de cinema.
A política enterra-se a cada dia que vamos passando nos cruzamentos das redes sociais com as irrealidades das assembleias regionais desta vida.
Encosto-me à parede. Olho para ela. Estática. Irreverente, como deve de ser. Conheço o conceito de anarquia. Ele nunca ouviu falar. Sabe apenas o que é ser burgesso. Arrepia-me a pele ao pensar no que ainda está para vir. A parede não fala comigo.
Está imobilizada pelo medo e pela inércia. Perdeu-se a capacidade de servir as pessoas que a serviram. A parede é como as sondagens. Anuncia maus ventos e péssimos casamentos.
Nenhum de nós será capaz de assumir a perfeição. Todas as alianças traçadas nos últimos anos correram mal. Com a assunção dos oligarcas, começamos a perceber, finalmente, que não é um problema exclusivo à nossa classe política. Os grandes bilionários desta vida foram-nos manipulando e controlando as narrativas. E nós fomos na sua onda.
Mas, na verdade, há que reconhecer quando os bois se tratam pelos nomes. E os bois são cada vez mais. Manifestam-se com números falsos e declarações de incompetência política, dos mais altos pódios das assembleias destes arquipélagos que nos fazem ser.
Só lhes interessa ser o que sempre foram. Reacionários, lambe-botas, sem juízo nem moral. Pouco importa quem é encostado à parede. Desde que lhes dê votos.

Alexandra Manes

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