Sempre que, por obra e graça de alguma divindade, surge um inusitado e insólito episódio na nossa plácida vida pública coletiva, os portugueses atiram-se ao adjetivo rocambolesco para caracterizar o sucedido. É frequente ouvir-se: é uma história rocambolesca, um episódio rocambolesco, e daí até Caminha.
Ora, acontece que rocambolesco tem origem numa personagem do escritor Ponson du Terrail, novelista francês do século XIX. A personagem, de nome Rocambole, acabou por tornar-se mais famosa do que o seu criador e passou a ser referência para o público da época.
Mas, afinal, o que visava Terrail com a sua criação?
Ponson du Terrail definiu um currículo de bandido para a sua personagem. Tendo sido educado por Sir Williams, outro patife, que burlava, roubava identidades e cometia assassínio, e daí, mais tarde, transforma-se num manso benfeitor ao mesmo tempo que vai traindo o seu mentor, o distinto representante do crime, Sir Williams. Entretanto, esses filhos da bandidagem enredam-se numa teia de peripécias e de influências, atribuindo até títulos nobiliárquicos a si próprios, com supostos distintos nomes de diversas índoles nacionais, e vão desembocar na teia mais frágil da mentira e do crime: as desconfianças que os elementos do grupelho fora da lei começam a nutrir uns pelos outros e que os levará à separação. E é então que qualquer crime começa a não compensar.
Entretanto, Rocambole, mais tarde Marquês Albert de Chamery, viaja entre Londres e Paris e continua com as suas patifarias ignominiosas, num ritmo de episódios sempre embrulhados em malandrices extraordinárias. Enfim, uma personagem pífia, mas que nos incita à gargalhada mais desbragada.
Tudo isto para vos falar da única verdade universal que definitivamente conhecemos: a realidade ultrapassa sempre a melhor ficção. Alguns cidadãos-políticos estão pela hora da morte: pela impreparação, pela irresponsabilidade, pela ética que nunca conheceram.
Luís Soares Almeida*
- Professor de Português
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