Vivemos de olhos postos nas reuniões que acontecem com os manda-chuva do planeta, a fim de irmos conhecendo que futuro nos espera: com que vida podemos contar, após a reeleição de Trump? Desta vez, o planeta todo é alertado para o próximo encontro com … e com quem haveria de ser? Com Donald Trump e Putin.
Será que Putin irá vergar Donald Trump às suas habituais exigências caprichosas?
A comunicação social dá imenso ênfase ao acontecimento, toda a gente alimentando muitas esperanças sobre o resultado final (mesmo apesar de se saber, como o relacionamento entre estes dois tem vindo a piorar dia após dia).
Como se irá portar um Putin acossado, contrariado nos seus desejos expansionistas?
Ei-los que entram, apenas acompanhados pelo intérprete. Ah, mas a cara que este faz, mal começa a reunião: Meu amigo, a sua fúria taxativa é impressionante! Sabe o que lhe digo, caro Presidente ? Que devia impor mais sanções à Rússia! Sim, para sermos mais convincentes.
- Pois, pois. Mas atenção, que é preciso não arriscarmos demasiado! Estamos a ser observados por milhões de pessoas. É que depois deixava de ter graça esta comédia que andamos a viver. É preciso que acreditem piamente que nos odiamos um ao outro, de um modo quase selvagem, sem margem para um possível entendimento!
- Sim, camarada, e a união faz a força. Mas tem sido tão fácil iludir os papalvos, esta pobre Europa tão crédula e tão desprotegida!
- Ora, como se alguém nos impedisse de ter o mundo todo por nossa conta. Porque, Putin, nós estamos a construir um mundo novo!
- E, caro Presidente, até foi bom o Musk não querer alinhar connosco. Bem sabemos que o planeta é enorme. Mas mais vale dividi-lo por dois do que por três.
- É que o Musk diz que a divisão do planeta entre nós não o tenta. Melhor. Deixemos então o Musk viver iludido lá por Marte.
- Mas por enquanto precisamos dele. E muito. Ele anda a moldar o pensamento de milhões de pessoas com aquelas plataformas de desinformação…..
- Bem sei, bem sei. Vivemos na era digital e nisso ele é ótimo, Deus o guarde e proteja.
Da Gronelândia, já estava tudo falado. Para vencer a resistência teimosa dos habitantes da ilha, nada como pedir a Elon Musk que enviasse de vez em quando alguns marcianos a infundirem algum desconforto. Um desconforto que os obrigasse à capitulação.
E os sessenta mil gronelândenses parecia que adivinhavam o que os esperava. O Os pobres iam perdendo aos poucos o antigo sabor de viver na maior ilha do mundo e tinham as noites curtas e povoadas de pesadelos. Aquela obsessão de compra pelos Estados Unidos, lembravam-se os mais velhos, vinha já de há setenta anos atrás. E já nessa altura lhes tinha sido negada. Mas a obsessão mantinha-se. Como consolo tinham obtido licença para estabelecerem lá uma base aérea, a base de Thulel que era um ponto estratégico importante. E tinham comprado à Dinamarca as ilhas Virgens. Que mais queriam eles? Não lhes chegava o muito que já tinham? Era o que em arrepio se perguntavam as ilhas do planeta. E se os britânicos se lembrassem de também agora voltar a cobiçar a Madeira? E quanto aos Açores, quereriam os americanos algum dia comprar a ilha Terceira onde, desde há quase um século. Tinham a base das Lajes? Aqui talvez nem houvesse resistência (lembremo-nos dos tempos em que muitos açorianos, cansados de emigrar e cobiçando o apelo da abundância americana ali ao lado, alimentavam o sonho de serem americanos). Mas, e Taiwan? E… Bem. Fiquemo-nos por aqui, que elas são mais de dezoito mil. …
Mas o que de imediato Musk queria saber era como tinha ficado a intriga sabiamente urdida de modo a livrarem-se de Putin. A recompensa era grande e o castigo bem merecido.
- Então, querida, como vai o Donaldinho? Não te anda a criar problemas, pois não? Ele tem muita sorte em teres concordado em lhe dares a tua presença nos muitos atos oficiais desta tomada de posse.. Essa de te dar não sei quantos milhões de dólares por isso, faz-me rir! Como se mulher minha precisasse de dinheiro!
- Bem sabes do que ele é capaz quando não lhe fazem a vontade. O importante é que já aceitou o divórcio. Vamos com calma. A minha presença ao lado dele quando trata de assuntos de Estado deve dar-lhe um ar mais de acordo com as normas sociais. Mas vais ver que não tarda muito ele arranja outra para me substituir, outra para fazer infeliz.
- Acredito. Mas dizes então que o encontro correu bem e que o Putin continua a não desconfiar de nada?
- Sim, querido. Dentro em breve cairá que nem um patinho na armadilha que andamos a preparar-lhe.
- Acreditas que tenho uma certa pena daquela gente da Gronelândia? Ontem à noite tiveram a visita de dois amigos marcianos, e apanharam cá um susto…
- Coitados, mas vamos fazer tudo como deve ser e seguir as ordens do Donald. Não há alternativa, meu querido.
- Pois, a vida é curta e há tanta coisa a fazer. Foi preciso ligar-me à extrema-direita, foi preciso manter-nos unidos, eu e ele, na conquista pelo poder, mas confesso que estou a ficar farto. Desmotivam-me parvoíces como estabelecer o homem e a mulher como únicas realidades biológicas, pressionar as energias renováveis, também, e, claro, as suas pretensões sobre a Gronelândia e o canal do Panamá. Erros crassos para apressar a decadência do planeta. Depois ainda me vem com aquele falso protecionismo em relação a Marte!
- A propósito de Marte, interrompe Melanie, admira-me nunca teres pensado em Marte como sítio de acolhimento para Putin….
O tempo foi passando, também na Gronelândia. e, num dia deveras frio, isto o sentindo de modo especial todos os convidados e, principalmente, os noivos, estava a realizar-se um muito adiado casamento (não havia disposição festiva para acontecimentos destes). E talvez porque tinham passado uma outra noite de pesadelo, todos ansiavam o fim da cerimónia: os noivos para partirem de imediato para a Dinamarca, os outros, para começarem a reunião que se impunha. - Que dia desgraçado para um casamento….
- Que sítio desgraçado para se viver. Com ou sem casamento, amigo.
- Há já cinco mil anos que a Gronelândia é habitada e havia eu de estar vivo para assistir a esta ladroagem. Justificada com o degelo que está a acontecer.
- Psh, psh, psh. Calem-se. Não veem como os noivos estão infelizes?
Mas admoestações destas são inúteis. É a vida de todos a estar em causa. - E fugir também não adianta. Temos que defender o que é nosso. Somos ricos em recursos naturais? Pois somos. Mas são nossos!
- Mas não é só por causa do gás, do petróleo e dos nossos minerais preciosos. Somos um ponto estratégico importante para a defesa dos Estados Unidos. Isto dizem eles.
- E alguém sabe como apareceu aquele edifício medonho em Thulel?
- Sim, como apareceu aquilo? Uma monstruosidade que destoa em tudo à volta.
Mas há muito que os gronelândenses se sentiam estranhos na sua própria terra. Por isso, o espanto nem foi excessivo quando viram aparecer Elon Musk. Que não vinha sozinho: atrás desfilava um grupo de homens armados a rodear uma espécie de gaiola fortificada com alguém lá dentro. Sim, e quem seria?, todos se esforçando por decifrar aquele mistério.
- Que desplante! O vira-casacas do Musk não pede licença a ninguém. Pensa que pode comprar tudo com o dinheiro que tem.
- Vem mandado pelo Trump. Mas quem trarão eles engaiolado aqui para a nossa terra?
E, surpresa das surpresas, nem querem crer no que os seus olhos vêem: o engaiolado é Putin!! O grande Putin que mandava assassinar todos os que ousavam fazer-lhe frente! Agora faz todo o sentido a construção daquele edifício estranho. - Rica companhia!
- Andam a fazer da nossa terra, a nossa bem-amada Gronelândia, um caixote de lixo!
Maria Luísa Soares *
*Escritora