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Olha a mala

Desde que a loja da marca no Parque Atlântico fechou que andava a tentar substituir as minhas – já bem idosas – malas de viagem Samsonite, mas nunca me passaria pela cabeça que precisaria de “amnésia parlamentar”, perdão, imunidade para lamentar. Pelo visto alega-se que foi isso que um chegano deputado (dos Açores) na Assembleia da República andava a fazer todas as semanas nas suas deslocações entre Ponta Delgada e Lisboa.
Que ideia magistral, que originalidade, que sabedoria, que pensamento fora da mala (perdão, fora da caixa), não fora alguém ter chibado o esquema e ele seria indetetável e indetetado. Felizmente as minhas malas foram poupadas por eu raramente me deslocar ao torrão peninsular e quando o faço é normalmente para a capital norte.
O autor Nuno Costa Santos veio celeremente sentir-se discriminado nas suas frequentes viagens por nunca ter tido a sorte desse ”desvio” de malas, que ele atribui ao facto de as malas dele serem jeitosinhas mas não Samsonite….
É por estas e outras que a nação é grande como disse em tempos Eça de Queirós
Uma nação vive, próspera, é respeitada, não pelo seu corpo diplomático, não pelo seu aparato de secre-tarias, não pelas recepções oficiais, não pelos banquetes cerimoniosos de camarilhas: isto nada vale, nada constrói, nada sustenta; isto faz reduzir as comendas e assoalhar o pano das fardas – mais nada. Uma nação vale pelos seus sábios, pelas suas escolas, pelos seus génios, pela sua literatura, pelos seus exploradores científicos, pelos seus artistas. Hoje, a superioridade é de quem mais pensa; antigamente era de quem mais podia: ensaiavam-se então os músculos como já se ensaiam as ideias.
Mas já então ele alertava para o que mata uma nação:
O que verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo, simples e bom, não confia nos homens que hoje tão espetaculosamente estão meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos, rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus mandatários, porque lhes bradam em vão: «Sede honrados», e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem atos, sem factos, sem resulta-dos, é estéril e adormecedora.
Termino numa nota mais poética, ainda citando Eça.
….A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens.
Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ânsia do bem-estar, céticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças novas, se descobrem logo fatores lamentavelmente alheios ao amor, sendo os dois principais aqueles que mais caraterizam o nosso tempo: o interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo — é removi-do para entre os cuidados subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da política… É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os interesses que prendem.

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713
MEEA-AJA (IFJ)

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