Os olhos do mundo estão postos nos Estados Unidos, não apenas com receio do seu declínio, mas com esperança na sua renovação. O «experimento americano» continua a ser uma das maiores realizações da humanidade. A sua sobrevivência é vital para a luta global pela liberdade e justiça. Se este momento marca o início de um novo capítulo ou o fim de uma era depende das escolhas que o povo americano terá de fazer nas urnas eleitorais e através das instituições da justiça, onde se trava a batalha para conter claras tentativas de subverter a constituição dos Estados Unidos.
O clima sociopolítico do país levanta neste momento questões profundas sobre a durabilidade do experimento. A situação neste contexto agravou-se em torno da instabilidade institucional que se desenrola perante a apreensão e a incredulidade do mundo. Os sintomas da decadência democrática são evidentes. O bloqueio partidário paralisou o Congresso, minando a sua capacidade de responder a questões urgentes.
Pilar crítico da democracia, a confiança pública nas instituições governamentais diminui de modo inegável. Deteta-se na conversa nacional a ansiedade popular sobre a ameaça do colapso do legado jurídico dos fundadores. Em 2023, um inquérito do Pew Research Center revelou que apenas 20% dos americanos tinham confiança no Congresso. Isto reflete um profundo sentimento de desilusão e desconfiança agravado pela polarização política atingindo níveis que se não viam desde a Guerra Civil.
Destaca-se neste problema o papel dos meios de comunicação e da informação na formação do discurso público. Outrora testemunha e árbitro confiável de fatos e da perceção do pulso nacional, o jornalismo tradicional agora compete num panorama mediático dominado por bilionários e conglomerados financeiros. A aquisição de grandes órgãos da comunicação por indivíduos incrivelmente ricos, como a compra do The Washington Post por Jeff Bezos ou a aquisição do Twitter (atualmente X) por Elon Musk, levanta preocupações sobre a independência editorial. Simultaneamente, a proliferação da desinformação nas redes sociais corrompeu a liberdade de expressão. Isto transformou um direito fundamental num cá todo de propaganda. Plataformas como o Facebook e o X deixaram de se comprometer com a verificação da veracidade da informação que divulgam, criando câmaras de eco que aprofundam as divisões na sociedade.
Em 2022, o ex-presidente Barack Obama advertiu num discurso que a democracia não funcionará sem «uma cidadania informada» e salientou que «A própria estrutura destas plataformas parece estar a inclinar-nos na direção errada.” Esta observação alarmante sublinha a necessidade de um sentido de responsabilidade, concomitante com a reforma para assegurar na era digital o sustento da democracia através da participação de um público bem informado. Uma população submersa na desinformação tem dificuldade em distinguir os factos da ficção. O ataque ao Capitólio a 6 de Janeiro de 2021, promovido pela retórica agressiva de Donald Trump, é uma manifestação inegável dos perigos da desinformação. Participaram ali, com uniformes e munidos de armamento militar, membros de milícias privadas, a quem o atual presidente perdoou do crime que os levara à prisão, condenados por um tribunal.
A perda da liderança americana teria implicações profundas no mundo. Durante grande parte do século XX, os Estados Unidos serviram como contrapeso ao autoritarismo, promovendo ideais de liberdade e autodeterminação. O papel reduzido dos EUA arrisca produzir um vácuo que poderia ser preenchido por potências autocráticas, anunciando um recuo catastrófico de direitos humanos e o potencial aumento da opressão a nível global. Sem a presença americana na Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Europa incorreria o risco de uma agressão russa.
As políticas anunciadas por Trump e os seus primeiros atos oficiais neste segundo governo não auguram um período de cooperação para reduzir a tensão com a oposição. Não é provável que sejam acordadas nos próximos quatro anos medidas de alcance para encorajar a cooperação bipartidária e reformas eleitorais e administrativas no sentido de garantir a harmonia partidária e a supremacia da constituição nos atos do executivo. Restam apenas campanhas de literacia mediática e regras razoáveis que responsabilizem as empresas tecnológicas pela propagação de desinformação e fortaleçam a integridade do discurso público.
O Sonho Americano há muito simboliza esperança — não apenas para os americanos, mas para pessoas em todo o mundo. É a crença de que o trabalho árduo e determinação podem levar ao sucesso, independentemente da origem de cada um. Preservar este sonho requer enfrentar as realidades da desigualdade sistémica e assegurar que a oportunidade seja acessível a todos. A luta pelos direitos de voto, justiça racial e equidade económica deve permanecer central na agenda da nação.
A crise atual, embora alarmante, não é inevitável. Os Estados Unidos possuem os meios para enfrentar estes desafios, mas fazê-lo exige ação coletiva e um novo compromisso com os princípios democráticos. A democracia não é estática nem garantida, mas um projeto contínuo que exige vigilância e participação.
Manuel Leal