O Presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada manifestou ao “Diário dos Açores” as suas preocupações com os problemas que estão a surgir no transporte marítimo de mercadorias entre o Continente e os Açores. Mário Fortuna vê com bons olhos as iniciativas dos deputados Paulo Moniz, Paulo Nascimento Cabral e Francisco César, mas diz não compreender a atitude dos Governo dos Açores e de Lisboa, que se mantêm passivos nesta matéria. Segundo afirma nesta entrevista, este assunto devia ser prioritário todos os dias e não deve esperar pela cimeira entre os dois executivos, que foi adiada por causa das eleições na Madeira
Contrariamente ao que aconteceu com o modelo de transportes aéreos, em que o ministério das Infraestruturas e Habitação intervém com um subsídio social de mobilidade, o modelo de transportes marítimos de mercadorias continua sem quaisquer apoios. O que entende sobre esta opção política?
É um anacronismo incompreensível que só é explicável com o facto de os passageiros votarem em eleições, mas os contentores não.
Os consumidores não têm a perceção do que pagam a mais pelas mercadorias que consomem transportadas por barco, mas têm uma perceção clara quando têm de comprar uma passagem aérea.
Este anacronismo é a expressão mais evidente do oportunismo dos partidos que se focam apenas nas políticas suscetíveis de angariarem votos e não nas políticas que são boas para as pessoas quer elas percebam claramente ou não.
O modelo atual de transportes marítimos é castrador da nossa competitividade como temos repetidamente dito e, consequentemente, aniquilador de empregos.
As opções mais recentes são perigosas porque remetem para a Portos dos Açores o financiamento das opções políticas assumidas pelo governo.
Precisamos de um modelo mais próximo do modelo dos transportes aéreos em que os governos assumem o ónus das obrigações de serviço público que, direta ou indiretamente, impõem.
Neste sentido tem falhado o governo regional por não colocar o assunto ao governo da república e tem falhado o governo da república por nada fazer para corrigir este problema.
Este assunto devia estar, permanentemente, na agenda do Governo Regional? É preciso esperar pela tal cimeira entre os dois governos?
Seguramente que este deveria ser um assunto da máxima prioridade.
Neste sentido é de louvar a iniciativa do deputado Paulo Moniz quando propôs uma indemnização compensatória pelos custos do transporte marítimo entre os Açores e o continente e o deputado Paulo Nascimento Cabral pela iniciativa do POSEI transportes.
Estas duas iniciativas são o reconhecimento de que está a faltar fazer alguma coisa para resolver um problema que, silenciosamente, vai retirando competitividade à economia dos Açores e rendimento disponível aos açorianos.
Fica a faltar a voz dos governos silenciosos.
Este é um dos tais assuntos que não pode esperar por cimeiras porque precisa de resolução imediata e célere.
As cimeiras são, essencialmente, encenações políticas que necessitam de soluções já estruturadas para serem minimamente úteis.
Fazer cimeiras para criar agendas para serem desenvolvidas é como criar uma comissão para, em abstrato, estudar um assunto.
Em suma adiar sine diem a resolução de problemas claramente identificados.
Não, não é necessário, não é preciso, nem é desejável, esperar por tal cimeira.
Redefina-se o propósito da cimeira e resolva-se os problemas urgentes que afetam as pessoas no seu dia-a-dia.
É urgente a adoção de uma política nacional e regional para o transporte marítimo de mercadorias para os Açores.
Depois se a EU entender que esta política é meritória para receber o seu apoio num POSEI Transportes, tanto melhor.
Mas, sem uma política nacional para este assunto não haverá uma política europeia para o efeito.
O líder da oposição, Francisco César, já se disponibilizou para convencer o PS nacional a alterar o modelo e, se preciso, criar um modelo de OSP a cargo da República, como acontece com os transportes aéreos. Devem os principais partidos sentar-se à mesma mesa, com os parceiros sociais, e proporem um modelo consensual?
Seguramente que sim.
Esta é uma solução que temos vindo a defender há já muito tempo e que nos levou a discordar frontalmente das opções adotados pelo governo na sequência de um estudo incompleto e completamente alheado das mudanças estruturais necessárias.
Fazer um estudo baseado no pressuposto de que o governo quer salvaguardar obrigações de serviço público, mas não quer assumir os custos destas opções é um erro que nos deixa presos a um modelo ultrapassado pelo que já se faz no transporte aéreo, com os mesmos agentes políticos. Não é compreensível.
Sim, os principais partidos devem sentar-se à mesma mesa, com os parceiros sociais para proporem um modelo que reúna um mínimo de consenso e que siga o exemplo do que se fez com o transporte aéreo que tanto contribui para mudar a face da economia dos Açores, para muito melhor.
Fica a faltar a vertente marítima, um nó górdio da nossa competitividade e do nosso desenvolvimento.
Há muitos empresários, em várias ilhas, a queixar-se de falta de mercadoria e supermercados com as prateleiras vazias. Há mesmo um problema?
As ineficiências tendem a ampliar-se. Se o sistema está há já largos anos a clamar mudança que não chega é provável que haverá insatisfações diversas.
Muitos queixam-se, e com razão por que o modelo atual não produz o que promete, frustrando as expetativas dos utentes e, muitas vezes, traindo o seu planeamento.
Há circunstâncias climatéricas que são inultrapassáveis, mas com estas já estamos habituados a lidar há muitas décadas.
É preciso trazer outro planeamento ao sistema e outra previsibilidade incorporada numa melhor e mais racional qualidade de serviço.
Quando uma peça do sistema falha as outras tendem a falhar também.
As perceções de muitos empresários não podem estar todas erradas. Há substância para as queixas.