Direitos & Deveres é a nova rubrica semanal resultante de uma parceria entre o jornal Diário dos Açores e a sociedade de advogados José Rodrigues & Associados. Neste espaço, iremos procurar esclarecer dúvidas jurídicas colocadas pelos nossos leitores bem como abordar alguns dos temas mais comuns que entretecem a comunidade jurídica. Se tiver algum tema que queira ver abordado ou alguma questão que queira ver esclarecida, não hesite em enviar-nos um mail para [email protected].
Um divórcio é sempre uma rutura. Uma rutura emocional, mas também nas rotinas quotidianas. E quando ocorre nas famílias com filhos, sobretudo menores, há que ter em conta que, para além dos interesses de cada elemento do casal, também eles legítimos, é crítico atender e salvaguardar as crianças e ajudá-las a enfrentar uma situação que, na maioria das vezes, é assustadora e geradora de ansiedade.
Quando a separação do casal ocorre num ambiente amistoso e saudável, a fase de adaptação a uma nova realidade é, em regra, mais simples e rápida, uma vez que, com bom senso, muito diálogo e pedagogia, os filhos acabam por compreender a decisão dos pais e aceitam-na com mais facilidade. Quando, no entanto, o divórcio é litigioso, a situação pode azedar e no meio da “guerra civil” em que o processo de divórcio se transforma, os filhos do casal acabam por ser as principais vítimas. Para evitar situações desta natureza, há alguns princípios básicos que cada elemento do casal convém ter presente.
- Os filhos não fazem parte do património
Uma das componentes do processo de divórcio passa pela partilha dos bens do casal. Quando há emoções muito exaltadas, sobretudo quando um dos elementos, na verdade, está revoltado ou magoado com o fim do casamento e tende, não raras vezes, a entrar num jogo de passa culpas, a mais simples divisão patrimonial pode originar uma autêntica “guerra das trincheiras”. Quando isso acontece, a regulação das responsabilidades parentais passa a ser, também, uma arma de arremesso negocial. Ora, dizer que os filhos não fazem parte do património pode parecer um lugar comum, mas num processo de divórcio conflituoso, as crianças sentem-se muitas vezes divididas e, inclusivamente, podem pensar que também são responsáveis pelo fim do casamento. É, por isso, essencial que os pais – ainda que possam ver no futuro ex-cônjuge um inimigo – não percam de vista que o divórcio, apesar de poder ser doloroso, é uma fase e que ambos terão sempre algo em comum que não pode ser dissolvido pelo divórcio: os filhos. Por isso, para evitar traumas emocionais que podem marcar a vida e o percurso das crianças, convém lembrar-se sempre que marido ou mulher é uma condição que pode ser temporária, enquanto que pai e mãe é um vínculo para a vida. - Segurança e estabilidade
Num processo de divórcio, as fundações familiares e os laços emocionais das crianças são profundamente abalados. É, por isso, essencial que ambos os membros do casal estabeleçam regras e novas rotinas, agora que cada um vive separado, por forma a transmitir segurança e estabilidade aos filhos. As crianças têm que sentir que, apesar do fim da relação dos pais, ambos continuam a garantir-lhes segurança e estabilidade. Para tanto, é necessário que as velhas rotinas possam ser substituídas, de novo com diálogo, compreensão – e sobretudo com muito afeto – para que os filhos menores percebam que o fim do casamento não é, por definição, o fim da família. Esta apenas ganhou uma nova configuração e o essencial é que os pais continuam, ainda que separados, a garantir-lhes a segurança e a estabilidade emocional de que os filhos dependem. É, por isso, fundamental evitar, por exemplo, deixar os filhos “pendurados”. Esse é um dos erros mais comuns. Não se esqueça: o divórcio gera ansiedade, por isso, manter e cumprir o combinado com as crianças é essencial para não lhes provocar mais instabilidade e receios. - não esquecer o papel de cada um
É, ainda, decisivo que, no meio do turbilhão, cada elemento do casal não se esqueça que o “outro lado” é – e será sempre – mãe ou pai do seu filho. É, por isso, mais do que recomendável que os filhos não oiçam os pais falarem mal um do outro. As crianças não são mais um elemento do conflito entre os adultos nem alguém cuja “aliança” para a “guerra” possa ou deva ser disputada pelas partes. Do mesmo modo, os pais são pais e os filhos são filhos. Ou seja, os filhos não são amigos com quem se deva desabafar as agruras emocionais provocadas pelo divórcio. Do mesmo modo, é de todo evitável entrar na “disputa” pelos afetos e pela preferência dos filhos, sobretudo no campo material, do mesmo modo que também não se pode entrar no jogo de fazer todas as vontades da criança para as compensar pelo fim do casamento.
O processo de divórcio é penoso para todos, mas é uma fase. Compete aos pais não transformar uma fase cuja adaptação é difícil e complexa, em algo que possa marcar negativamente e de forma permanente a personalidade dos futuros adultos que estão a criar.
Beatriz Rodrigues