Faz agora três anos que o ditador russo lançou a chamada operação militar especial, visando ocupar a Ucrânia em 15 dias. Confiante na quantidade e no armamento das forças russas, a dita operação estava pensada para ser uma espécie de passeio no parque, como fora a realizada na Geórgia, anos atrás, com passividade geral dos outros países.
Aconteceu, porém, que os ucranianos decidiram resistir e lutar contra os invasores, e houve também um despertar do Ocidente perante tão escandaloso ataque aos próprios fundamentos da ordem internacional existente, perpetrado não no longínquo Cáucaso mas às portas da Europa. Daí nasceu o forte apoio que tem sido dado à Ucrânia pela União Europeia e pelos países membros da NATO, a começar pelos Estados Unidos da América.
A situação alterou-se com a eleição do novo presidente deste país. Rejeitando a política anterior, parece agora que os Estados Unidos aderiram às pretensões do ditador russo, aceitando as suas teorias sobre esferas de influência, que colocam a Ucrânia sob o controle da Rússia. E avançam mesmo com a reclamação de serem indemnizados da ajuda prestada, mediante a partilha dos recursos da Ucrânia em terras raras com a potencia invasora, à qual se prestam honras negadas aos aliados tradicionais, que pelo contrário são objecto de ameaças de vária ordem e tratados como inimigos.
Antes de prosseguir com as questões ucranianas, convém dedicar alguma atenção às mudanças em curso nos Estados Unidos. Antes de mais, é de pôr em causa a firmeza das convicções do presidente, que transformou o Oval Office numa espécie de reality show, onde entra toda a gente para assistir às fitas que ele faz, desdizendo num dia o que enfaticamente proclamou na véspera. A facilidade com que mente e diz banalidades tem de ser assinalada, isso para não falar dos seus aliados de ocasião e serventuários de índole curiosa e conceitos discutíveis. Por mim, já tomei a decisão de mudar de canal quando tal figura aparece em algum noticiário televisivo!
Mas enquanto tal situação se mantiver, interrogo-me se a opção correcta será, como estão fazendo alguns líderes europeus, tentar demonstrar que somos afinal aliados e temos interesses comuns ou então mudar de agulha e passar a tratá-lo como um autoritário e aspirante a ditador que só se deve dar com outros da sua igualha, da Rússia, da Coreia do Norte, da China, da Hungria, e outros semelhantes. Com razão já lembrou o Presidente do Brasil que os norte-americanos elegeram o seu presidente e não o Imperador do Mundo…
O grande erro da Ucrânia, segundo o ditador russo e os seus sequazes, é não querer mais ser instrumentalizada desde Moscovo, como no passado aconteceu. Ora isso é o que se passa afinal com os países vizinhos da Rússia, que livremente decidiram vincular-se ao Ocidente e à sua Aliança Militar, que é a NATO, nomeadamente os Países Bálticos, que ao abrigo do vergonhoso Pacto Molotov- Ribbentrop a Rússia integrou no seu território, deportando para a Sibéria uma parte da sua população, imediatamente substituída por russos, ou a Finlândia e a Suécia. Já aqui mesmo assinalei, julgo eu, que a dita NATO deveria ter sido validada com um novo tratado, discutido e aprovado nos Parlamentos dos Estados-Membros, após a queda do Muro de Berlim e posterior implosão da União Soviética, em vez de se limitarem os governos a aprovar um novo conceito estratégico para a Organização, após tais acontecimentos.
Discordo de quem defende a aceitação da posição russa da manutenção das esferas de influência. Num mundo de povos livres é preciso respeitar as opções também livres dos respectivos governantes democráticos. Ora se eles optam por um estatuto de liberdade, não é razoável fazer a tal oposição, menos ainda com recurso à força.
A guerra na Ucrânia já dura há tempo demais e os sofrimentos dos ucranianos são terríveis. As destruições já mostradas são assustadoras. E ao fim de três anos de morticínio, intensos bombardeamentos dirigidos a alvos civis e aos serviços públicos essenciais de abastecimento de água e energia ás populações, a verdade é que as forças armadas russas, mesmo recorrendo a soldados estrangeiros, não dominam mais do que um quinto do território ucraniano.
É preciso reclamar a presença da Ucrânia – e já agora também da União Europeia – à mesa das negociações de paz. A retirada das forças armadas russas tem também de ser exigida, respeitando as fronteiras do país, às quais a própria Rússia se vinculou livremente. Fora disso, estaremos a favorecer as pretensões do ditador russo, que considera o fim da União Soviética como a grande tragédia da História e parece agora empenhado em restaurá-la.
Traçar um esquema de paz nas costas dos ucranianos é violar regras básicas do funcionamento da ordem internacional. A Ucrânia pertence aos Ucranianos e só a eles, através dos seus governantes, compete decidir as condições da sua vida. O que for fora disto é uma imposição de tipo colonial e portanto inaceitável.
João Bosco Mota Amaral*
*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico)