Quando o saudoso médico Dr. Estrela Rego apresentou um primeiro esboço do que seria o futuro Hospital de Ponta Delgada, chamaram-no de megalómano.
Alguns dos velhos do Restelo de há quase 30 anos ainda andam por aí, a julgar pelo modo como chamam de megalómano a todo o projecto que seja pensado numa perspectiva de longo prazo.
Os partidos e alguns políticos são useiros e vezeiros em chamar de megalomania a tudo o que é concebido pelo opositor, atrapalhando toda a concepção da ideia e da concretização, para desacreditar o adversário.
Temos visto isto ao longo destas décadas. E é por causa desta visão fechada e remendada que o sector da Saúde nos Açores foi sempre maltratado em toda a sua concepção.
O PS e o PSD, como partidos alternantes da governação, deixam muitas dúvidas, em termos de credibilidade, sobre o que fizeram e o que gostariam de fazer nesta área.
Ambos travaram aquilo que já poderia ser, hoje, o sistema de saúde que agora querem que seja.
Até já se acusam mutuamente de falta de investimento no HDES ao longo destes anos.
Deixem-me recordar que, em 2016, o então Secretário Regional da Saúde, Luís Mendes Cabral, apresentou um projecto de ampliação do Serviço de Urgência do HDES, numa visão de longo alcance, que hoje todos reconhecem como uma necessidade.
Estou à vontade para o dizer, porque fui crítico do Dr. Luís Cabral em muitas das suas decisões políticas, mas há que reconhecer a sua capacidade visionária neste caso e noutro de maior alcance reformador, que também ficou pelo caminho.
O PSD veio logo a terreiro chamá-lo de “projeto pessoal megalómano”, um investimento de 3,8 milhões de euros que estava disponível e garantia uma urgência digna, com a dimensão necessária para salvaguardar as normas de higiene fundamentais em contexto de urgência.
Dizem-me que na urgência do Modular, que custou 10 vezes mais, os doentes em maca continuam a estar lado a lado, com escassos centímetros entre si, potenciando a propagação das infecções respiratórias.
“A afetação de cerca de quatro milhões de euros para a remodelação do Serviço de Urgência que agora foi anunciada (cuja atividade se prevê vir a diminuir porquanto muita da procura resulta apenas da falta de médicos de família) é, claramente, uma opção errada e insuficientemente fundamentada”, referia então o PSD, mesmo com o secretário regional a explicar que a obra era necessária desde 2009 para dar cumprimento à lei nacional que salvaguarda o direito a um acompanhante em todos os serviços de urgência.
E o referido médico já adivinhava então: “Vai ser sempre necessário ter um Serviço de Urgência de dimensão considerável, não só por aquilo que são as nossas necessidades de atendimento, mas também por via daquilo que são as nossas expectativas de crescimento do ponto de vista turístico, com maior afluência ao hospital nas épocas de verão, e também para salvaguardar questões de exceção, nomeadamente situações de catástrofes”.
Certamente já adivinharam o que aconteceu: foi-se o investimento por água abaixo.
Os governos do PS amedrontaram-se, mandato atrás de mandato, nos investimentos e na remodelação do Serviço Regional de Saúde, pelo que, assistir, agora, aos comunicados do PS a acusar o actual governo de falta de investimentos no HDES, apetece perguntar o que andaram a fazer durante 24 anos em que foram governo.
Pior do que isso: em Abril de 2013 foi posta à consulta pública uma proposta para um Centro Hospitalar dos Açores, já pensando no que íamos ter nos dias de hoje, mas devido às tais pressões políticas – que vemos novamente hoje -, o projecto foi retirado em Setembro de 2013, após a consulta pública.
Era uma proposta profunda para a reestruturação do Serviço Regional de Saúde que, se tivesse sido implementada na altura, hoje não teríamos os problemas que estamos a ter no sector.
Não foi por falta de planeamento, mas por falta de ambição, tal e qual os tempos que estamos a viver hoje.
As linhas estratégicas da reforma de então assentavam em mudanças a efetuar no Serviço Regional de Saúde dos Açores, ao nível das diferentes redes de cuidados, sem nunca esquecer a realidade geográfica e populacional do arquipélago.
Era tida em conta a qualidade assistencial proporcionada pelo sistema, “sendo certo que quanto menor for a casuística, menor a capacidade técnica para a resolver”.
A reflexão, com mais de 60 páginas, proponha-se desenvolver “uma estrutura de gestão para os hospitais dos Açores com uma equipa única e objetivos comuns”, coisa que o Serviço Nacional de Saúde está agora a criar com a Direcção Executiva no Continente.
O documento já reconhecia que “a dispersão de estruturas de gestão, onera o sistema, não só pelo número de profissionais necessários, mas, principalmente, pelo estabelecimento de diferentes metodologias de gestão, impedindo a implementação de medidas de forma transversal e potenciando a aquisição paralela, daquilo que teria um valor unitário diferente. Acresce que, sem essa perspetiva, torna-se mais difícil estabelecer uma economia de escala”.
É por isso que o sector é cronicamente subfinanciado. Não há dinheiro que acuda a um sector totalmente desarticulado, com cada unidade a autogerir-se como muito bem entende.
Também por isso, era reconhecido que, “ao nível dos recursos humanos, um planeamento elaborado na perspetiva regional com atenção particular à especificidade e condicionalismos de cada uma das nossas ilhas, potencia os ganhos globais do sistema, não apenas na perspetiva da eficácia e produtividade da sua ação, mas também da otimização dos recursos disponíveis na Região”.
Nada se fez. Perdemos tantas oportunidades nestes últimos anos.
O sistema de saúde na Madeira soube reestruturar-se e, por isso, está mais eficiente do que o nosso.
O do Continente anda à procura de um caminho para salvar o caos que por lá anda.
Nós, por cá, em vez de nos unirmos à procura, também, de uma reforma para o sector, aproveitando o que, infelizmente, aconteceu no HDES, andamos todos às turras, uns contra os outros, a acusar quem não fez investimentos, ilhas contra ilhas, administrações hospitalares contras administrações hospitalares, a ver quem leva mais equipamentos, e até já se fazem comícios com tudo isto nos partidos.
Andamos todos focados com comissões de inquérito e outras perseguições, insultando-nos uns aos outros e esquecemos o essencial no meio deste turbilhão: os doentes!
Qual é o papel dos doentes perante esta discussão?
Nenhum! São atirados para as listas de espera, num longo e desesperado sofrimento, sem atendimento nos tempos certos, sem palavra, sem poder de participação e confinados aos estreitos corredores da poderosa burocracia do sistema.
É por tudo isto que não vamos lá.
A Saúde na nossa região vai continuar com a mesma doença crónica de anos, a sofrer de partidarite aguda, mesmo que nos apresentem diagnósticos muito bonitos e com investimentos ao retardador, sempre num conceito de remendar em vez de reformar.
Deixem os técnicos do sector falarem, darem as suas ideias, apresentarem os seus projectos, mesmo que tenhamos de revisitar o que já foi diagnosticado e projectado, mas nunca concretizado.
Em resumo, mais técnica e menos política.
Mais cidadania e menos cegueira partidária.
Osvaldo Cabral
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