O tema da semana: viver mais anos
Publicado na “Nature Medicine”, de 24 de Fevereiro, o artigo “Padrões e tendências globais na incidência e mortalidade do cancro da mama em 185 países”, de Joana Kim e colegas, merece o meu destaque esta semana. As actualizações das estimativas, actuais e projectadas, da carga de doença são essenciais para monitorizar o sucesso no controlo do cancro da mama. Os investigadores estudaram a carga global actual (2022) e futura (2050) do cancro da mama feminino, em geral e por grupo etário, em 185 países, e a tendência a 10 anos nas taxas de incidência e mortalidade em 50 e 46 países, respectivamente. Globalmente, ocorreram 2,3 milhões de novos casos e 670.000 mortes por cancro de mama feminino, em 2022. As taxas anuais aumentaram 1 a 5% em metade dos países. As taxas de mortalidade diminuíram em 29 países com “Índice de Desenvolvimento Humano” (IDH) muito alto. Até 2050, os novos casos e as mortes aumentarão 38% e 68%, respectivamente, tendo um impacto desproporcional nos países com baixo IDH.
Na edição de 19 de Fevereiro de 2025 da mesma revista, o artigo “Integrating the environmental and genetic architectures of aging and mortality”, de M. Austin Argentieri e colegas mostrou (mais uma vez) como os estilos de vida influenciam o envelhecimento saudável e a mortalidade prematura. Já o “The Economist”, do mesmo dia, trouxe um artigo deveras interessante, intitulado “Pessoas solitárias têm vidas mais curtas?”. Deste artigo destaco um gráfico muito bem conseguido, com os factores que aumentam, e diminuem o risco de mortalidade (precoce).
Factores que reduzem a mortalidade precoce, são:
Ser ex-fumador
a Ingestão moderada de queijo
Frequentar um ginásio
Atividade Física moderada
O número de pessoas em casa
Viver com um parceiro
Anos de instrução (ter frequentado o ensino mais anos)
Ter um emprego
Rendimento familiar
Mais ou menos, podemos fazer algo para melhorar cada um destes factores, e com isso, segundo os autores, viver mais anos.
A homenagem da semana: ter mais vida nos anos
Já aqui escrevi sobre o contributo de cada determinante da saúde, para a saúde da população. Os estudos mostram que os determinantes da saúde mais relevantes são:
- O comportamento individual, o determinante de saúde mais importante, é responsável por 36% do estado de saúde, aqui inclui-se o exercício físico, a alimentação, o tabaco, o consumo de álcool, o comportamento sexual ou o sono.
- os factores sociais, que determinam 24% do estado de saúde de uma população, incluem o rendimento, emprego ou a educação.
- Genética e biologia, transmitidos pelos nossos pais, determinam as nossas características físicas, e riscos em saúde, e são responsáveis por 22% do nosso estado de saúde.
- Os Cuidados de saúde, sao responsáveis por 11% do nosso estado de saúde. Ou seja, os gastos com cuidados de saúde que são maiores do que o valor combinado de gastos para influenciar os restantes determinantes da saúde, representam apenas 11% nos resultados da saúde…
- O Meio Ambiente, responsável por 7% do estado de saúde.
Assim, alterar o estado de saúde de uma população, medida por indicadores como a esperança média de vida, exige um trabalho hercúleo, um planeamento exemplar. Os resultados demoram décadas a conseguir-se. Décadas, seguindo as melhores regras.
Vem isto a propósito de uma medida notável: antecipar a idade de reforma dos açorianos, mercê da sua menor esperança de vida.
Equidade é adaptar uma regra a uma situação concreta, observando critérios de justiça. A equidade adapta a regra a um caso específico, a fim de deixá-la mais justa. Ora, antecipar a idade de reforma dos açorianos cumpre este desiderato: a situação concreta é evidente, os açorianos têm (há décadas) menor esperança de vida.
Que se deveria fazer até se conseguir solucionar esta “menor esperança de vida”? Criar comissões parlamentares para debater o assunto? Ou, propor uma medida de equidade com impacto real na vida do povo?
Aqueles que gritam “aumentem a esperança média de vida!” (já, amanhã!), ou “gastem mais em serviços de saúde” (com um médico de prevenção em cada freguesia os açorianos seriam eternos?) estão errados. Não é essa a solução, nem é esse o remendo. Ponto.
Mário Freitas*
- Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores