Tenho um pouco mais de sete dezenas de anos e confesso, porque vivi a maioria deste tempo nos Açores, que me habituei a ver e ouvir considerações acerca dos Estados Unidos da América, identificadas genericamente não só com a sua grandeza em termos de espaço geográfico mas igualmente como uma verdadeira potencia económica e mesmo político-militar.
Durante anos este país foi igualmente identificado como um “el dorado” nomeadamente para muitos açorianos que emigraram e após algum tempo se reunificaram com a chegada dos restantes membros da família, normalmente vivendo com outros conterrâneos numa mesma cidade, contribuindo mais ou menos para o desenvolvimento socioeconómico e mesmo político americano principalmente através de alguns descendentes que fizeram/fazem parte da sua governação.
Esta forte relação criada durante décadas foi bastante patente na criação nos Açores de um consulado que é mais do que centenário e/ou mesmo pela existência de uma base militar que durante anos representou uma frente avançada americana em pleno Atlântico norte, embora perdendo importância nas últimas décadas devido ao avanço tecnológico entretanto verificado.
Esta democracia conhecida como “potência mundial” e mesmo como protetora do mundo democrático, mostra-se agora como um país de rotura universal principalmente e quase exclusivamente com países que são democracias por excelência, como por exemplo é a quase totalidade dos países europeus.
Mas, como era esperado, a partir da tomada de posse do atual presidente americano tudo mudou.
Trump conseguiu em pouco mais de dois meses transformar uma democracia, reconhecida de modo geral, numa verdadeira autocracia concentrando assim nele mesmo – enquanto autocrata – o poder de governar.
Este tipo de governação é facilmente identificada por exemplo, no império bizantino ou mesmo em França, na idade moderna, com Napoleão ou no período da monarquia absolutista.
Tal verificou-se também no tempo da Rússia czarista, até 1917, ou na guerra civil espanhola – a ditadura militar de Francisco Franco – ou na Alemanha hitleriana, com a sua pseudo superioridade, ou mesmo na própria Coreia do Norte.
Não é pois difícil de admitir que Trump, à semelhança do referido, se considere um autocrata. Reclamando anedoticamente e por várias vezes que o denominem “rei”.
Como se usa dizer se não fosse cómico poderia ser grave, mas na realidade é que as suas decisões tomadas na sala oval mostram a gravidade do estado calamitoso e confuso em que se encontram alguns países nomeadamente e por incrível a própria América.
São deportações em grande número de emigrantes de modo arbitrário ou mesmo o envio para a prisão de Guantánamo, em Cuba, a aplicação de altos valores de taxas sobre os produtos importados de acordo com o saldo comercial existente entre a América e cada um dos países, a ameaça de fechar consulados e/ou embaixadas, a redução do pessoal ativo nos diversos departamentos do governo- nomeadamente no setor da educação – e a não concessão de apoios financeiros aos diferentes estados em diversos aspetos.
Para tal escolheu Elon Musk que serve de Merlin ao “rei”, distribuindo dinheiro fácil a torto e direito para controlar determinadas situações, como no caso da eleição da juíza democrática para o supremo tribunal e cujo resultado foi negativo para Trump.
Também a aplicação de taxas no dia da libertação (ou seja de subjugação trampista) originará reações por parte de outros países aumentos semelhantes.
Outros aspetos interessantíssimos, mas não únicos, será por exemplo o caso do iPhone 16 – com fabrico asiático – que custa atualmente cerca de 1100 dólares e que passará para perto de 2500 dólares como resultado da aplicação da taxa trampiana ao país de fabrico. O mesmo se passa com o material de desporto da Nike, que fabricado na Ásia por exploração de mão-de-obra de crianças, ou vai deixar de chegar em tão grande quantidade ou então a preços exorbitantes.
Enfim muito irá suceder certamente, mas serão os americanos a pagar caro o reflexo destas decisões de Trump. Fica a esperança que em outubro de 2026, aquando das eleições intercalares, mesmo os republicanos vejam que afinal o “rei vai nu”, o que imagino seja um horror de ver neste caso concreto.
J. Rosa Nunes
Prof. Doutor