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Saúde (do) Pública(o) (13) – Sobre o fim de vida, na infância e na velhice

“Esses casos e mortes são especialmente trágicos porque são evitáveis. A vacina contra o sarampo é altamente eficaz: duas doses fornecem cerca de 97% de proteção, e mesmo uma dose pode prevenir cerca de 93% das infecções.”

O tema da semana: fins de vida inaceitáveis, na infância e na velhice.

Começo este espaço, esta semana, pela notícia da morte de uma criança de 8 anos, por sarampo, no Texas, elevando o número de mortes confirmadas para 2. Já sei, alguns Epidemiologistas doutorados pelas redes sociais dirão, “a criança morreu com sarampo, e não de sarampo”. Talvez alguns (ir)responsáveis arriscassem dizer “mas, as crianças não tinham comorbilidades…?”… na verdade, estes tempos fantásticos que vivemos permitem que qualquer idiota com acesso à Internet se ache perito em tudo, e em mais alguma coisa. Em vacinas, em crises mundiais ou em tarifas aduaneiras. É ver a quantidade de parvoíces que são escritas por quem, sobre cada assunto, nunca leu, como se diz na bela terra transmontana, “uma letra do tamanho de um boi”.
Uma terceira pessoa terá morrido no Novo México no mês passado, mas a causa oficial da morte continua sob investigação. Dezenas foram hospitalizadas ao longo do surto, e a contagem de casos continua a crescer rapidamente.
Atualmente este “super-surto” tem múltiplos pontos críticos. O surto no oeste do Texas/Novo México é o maior, mas há aglomerados consideráveis no Kansas e no Ohio. Vários outros Estados relataram casos individuais e surtos menores.
Esses casos e mortes são especialmente trágicos porque são evitáveis. A vacina contra o sarampo é altamente eficaz: duas doses fornecem cerca de 97% de proteção, e mesmo uma dose pode prevenir cerca de 93% das infecções.
Nem todas as crianças infectadas são “voluntariamente” não-vacinadas: um terço dos casos no Texas são crianças entre os 0 e os 4 anos, e muitas são jovens demais para serem vacinadas. Um surto numa creche em Lubbock, Texas, infectou 6 crianças muito pequenas. Na realidade, quanto mais o vírus circula, mais oportunidades ele tem de atingir pessoas vulneráveis.
E, antes que apareçam os entendidos de sempre a fazer relações entre variáveis independentes, fica a nota: a baixa cobertura vacinal vem do governo de Joe Biden… Agora, neste momento, é muito importante que o governo do presidente Trump coloque as equipas de Saúde Pública a fazer o que sabem fazer bem: controlar cada um destes surtos. As consequências da ausência desse controlo não são abstractas: são hospitalizações, incapacidade e morte, muitas entre crianças muito novas para serem protegidas. O que está a acontecer agora, se não for controlado, será usado de forma politizada, por políticos e alguma comunicação social, muito atentos a todos os aspectos que ocorram agora, mas que nunca olharam para o estado em que a cobertura vacinal estava até à data. E decerto este aspecto estará a ser levado em conta, pelo governo de Donald Trump.
Outra notícia que a todos nos envergonha, e esta por cá, foi a de que nos últimos três anos morreram 757 idosos sozinhos em casa nos centros urbanos portugueses. De acordo com os dados fornecidos pela PSP, em 2022 morreram sozinhas em casa 258 pessoas com mais de 65 anos, em 2023 outras 237 e em 2024 mais 262, num total de 757. Do total de mortes, 60% (455) foram homens e 40% (302) mulheres.
As situações “ocorreram um pouco por todo o país” e chegaram ao conhecimento da PSP “através de vizinhos, familiares ou amigos”. A Polícia de Segurança Pública recorda que no ano passado foram sinalizados durante a operação de proximidade “A Solidariedade Não Tem Idade – A PSP com os idosos” 918 pessoas com mais de 65 anos, das quais 487 “foram de imediato encaminhadas para instituições de apoio social”.
A PSP acrescenta que, “pelas suas limitações de locomoção e fragilidades psíquicas”, os idosos são mais vulneráveis a burlas e agressões, entre outros crime, o que associado à “sensação de abandono (solidão) e do flagelo social do isolamento, próprio das grandes urbes” e, pontualmente, a carências económicas agrava o seu “risco de (re)vitimização”. “E todas estas variáveis, sem um círculo familiar e/ou de vizinhança ativo e solidário, potenciam as situações de anonimato que inviabilizam eventuais intervenções de natureza assistencial, podendo mesmo, por vezes, culminar na morte do idoso”, conclui a PSP.
Curiosamente, todos nós conhecemos histórias de familiares totalmente desinteressados de idosos enquanto vivos, mas altamente interessados nas heranças que estes deixam. A nossa repressão social sobre estas situações é pouca, e a vergonha própria é ainda menor. E, assim continuamos, “cantando e rindo…”.

A homenagem da semana: como fazer a Europa grande outra vez…?

No “New England Journal Medicine”, de 2 de Abril (2025; 392: 1310-1319) podemos ler o artigo “Associação entre riqueza e mortalidade nos Estados Unidos e na Europa”, de Sara Machado, Ph.D., et al.
Face à crescente disparidade de riqueza, constata-se que há pouca informação sobre como a saúde dos americanos mais velhos se compara com a dos europeus mais velhos, ao longo de toda a distribuição de riqueza. Para isso, os autores realizaram um estudo de coorte longitudinal e retrospectivo envolvendo adultos entre os 50 e os 85 anos de idade, que foram incluídos no “Health and Retirement Study” e no “Survey of Health, Ageing, and Retirement in Europe”, entre 2010 e 2022. Os quartis de riqueza foram definidos de acordo com a faixa etária e o país, com o quartil 1 compreendendo os participantes mais pobres e o quartil 4 os mais ricos.
Em 73.838 adultos (idade média [±DP], 65±9,8 anos), maior riqueza foi associada a menor mortalidade. A diferença na sobrevivência entre os quartis de riqueza superior e inferior foi maior nos Estados Unidos do que na Europa. A sobrevivência entre os participantes nos quartis de riqueza superior no norte e oeste da Europa e no sul da Europa pareceu ser maior do que entre os americanos mais ricos. A sobrevivência no quartil mais rico dos EUA parece ser semelhante à do quartil mais pobre do norte e oeste da Europa.
A arte dos governantes europeus, agora, é conseguir manter este desempenho. A dos governantes americanos será a de eliminar este hiato.

Mário Freitas*

  • Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores
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