A história recente da SATA mostra bem como tem sido uma porta de embarque para outros voos na TAP. A entrevista de Carlos Tavares, ex-presidente executivo do grupo Stellantis, sobre a aquisição da SATA Internacional acrescenta incertezas em vez de clarificar. Ao longo da conversa, fica evidente um preocupante desconhecimento sobre a realidade açoriana, sobre a própria companhia aérea que agora pretende adquirir através da sua inclusão no consórcio, e até sobre o setor da aviação em geral. Mais do que uma visão estratégica, o discurso soa a uma manobra pouco esclarecida, onde a verdadeira intenção parece estar muito além dos interesses dos Açores.
Carlos Tavares também deixou claro, de forma algo subtil mas inequívoca, que para que o negócio avance será necessário o apoio financeiro do Governo Regional. Ou seja, apesar de se apresentar como investidor privado, espera que a Região abra os cordões à bolsa para viabilizar a operação. Esta dependência de dinheiros públicos, numa altura em que a sustentabilidade financeira da SATA continua por resolver, levanta ainda mais dúvidas quanto ao real compromisso do consórcio com a empresa e com os Açores.
A participação de Tavares na compra da SATA Internacional parece carecer de um racional sólido. Para um gestor de renome mundial, com um percurso notável na indústria automóvel, seria de esperar um conhecimento mais profundo sobre a operação que acaba de abraçar. No entanto, as suas declarações revelam uma superficialidade preocupante, onde a ausência de um plano de negócios claro parece evidente. A questão fundamental é: Para um investidor evoluído, qual o racional que sustenta o investimento num setor desconhecido, através de uma companhia historicamente deficitária cheia de desafios complexos?
A SATA não é apenas uma empresa com rotas para a Europa e os Estados Unidos. É uma peça fundamental na mobilidade e na economia açoriana. A complexidade da sua operação exige uma gestão detalhada e uma compreensão profunda das especificidades da região, algo que Tavares não demonstra possuir. O que se esperava era um discurso estruturado, que explicasse como pretende melhorar a companhia, quais as sinergias que vê na sua gestão e, sobretudo, quais os benefícios também para os Açores. Nada disso foi apresentado.
Ainda mais intrigante é a aparente falta de interesse do próprio Carlos Tavares em liderar a gestão da SATA Internacional. Para um CEO reconhecido mundialmente, esta posição levanta sérias suspeitas sobre o real objetivo do investimento. Se não há um envolvimento direto, qual é então a motivação? O próprio admite que vê a aviação como um setor estratégico, mas sem detalhar o que o atrai especificamente na SATA. O que sobra é a inevitável suspeita: a SATA será apenas uma peça descartável num plano maior para entrar na privatização da TAP?
A proposta de Tavares para a TAP reforça ainda mais estas dúvidas. Ao sugerir uma estrutura acionista onde o Estado manteria 40%, os trabalhadores 20% e o restante ficaria nas mãos de investidores privados portugueses, Tavares parece querer garantir um lugar na mesa das grandes decisões. E se a SATA for apenas um trampolim para demonstrar credibilidade no setor e posicionar-se como um candidato natural à TAP? A hipótese ganha força quando se percebe que não existe qualquer interesse manifesto em gerir a SATA com uma estratégia sustentável a longo prazo.
Do ponto de vista dos Açores, este cenário é preocupante. Sem um plano concreto para a empresa e sem uma liderança clara, o risco de a SATA ser apenas um instrumento descartável numa jogada maior é demasiado elevado. Para os Açores, o que está em jogo não é apenas a gestão de uma companhia aérea, mas a manutenção de uma ferramenta essencial para o desenvolvimento da região por um lado, e a resolução de um sorvedouro de recursos públicos por outro. Um investidor sem compromisso e sem estratégia pode ser exatamente aquilo que a SATA menos precisa neste momento, e muito menos precisam os Açorianos.
Na hipótese da SATA ser apenas um trampolim para a TAP, os interesses dos Açores em se tornar um verdadeiro hub de passageiros e carga, essencial para alimentar o turismo, a economia regional e as atividades ligadas ao setor aeronáutico, ficam definitivamente comprometidos. Sem um plano claro de integração da companhia no tecido económico da região, esta visão estratégica cai por terra e coloca em causa o futuro da atractividade e da competitividade açoriana.
O histórico recente da SATA obriga a este alerta. Luís Rodrigues, o anterior CEO, usou a companhia como trampolim para voos mais altos, deixando a empresa praticamente na mesma. Prometeu reestruturação, sustentabilidade e privatização, mas saiu antes de concretizar mudanças substanciais, deixando a SATA com os mesmos problemas estruturais. A companhia não pode continuar a ser um mero palco de ambições pessoais, ou pior, enquanto os Açores ficam com as consequências.
A entrevista de Carlos Tavares deveria ter sido uma oportunidade para clarificar intenções e demonstrar um verdadeiro compromisso com a SATA e com os Açores. No entanto, acabou por reforçar a ideia de que este é um investimento feito com outros interesses em mente. Os Açores não podem ser apenas um peão num jogo estratégico para alcançar a TAP. A região merece investidores sérios, preparados e comprometidos, e até ao momento, nada disto ficou demonstrado. Os Açores merecem mais e melhor.
André Silveira