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O exemplo dos Açores

  • Que os gronelandenses aprendam com os açorianos!, e é um Donald Trump no auge da satisfação que não se cansa de o dizer para que todo o mundo oiça.
    É verdade que desde que chegou anda incomodado com o tempo, mas já declarou: Isto das quatro estações no mesmo dia tem que se controlar, o Musk que trate disso Logo acrescentando, mas em voz bem mais discreta: Temos que pôr esta gente a falar uma língua civilizada. E como homem experiente que é, também sabe que é preciso inflamar as massas que quer controlar, fazê-las sair do torpor que vê naquela gente: parece-lhe demasiado sossegada, sem chama, há que a animar. E, tonitroante, começa por dar o exemplo: Let’s make Azores great! Let’s make Azores great!! E logo Musk acorre, solícito, a espalhar as notas de dólar com que atafulha os bolsos a quem aceitar participar ativamente naquele delírio americano.
    Atordoados, os açorianos andavam esquecidos da importância do arquipélago que habitavam. Alguns ainda lembravam os sustos de outros tempos quando, no contexto da 2ª Guerra Mundial, britânicos e americanos lhes tinham vindo pedir ajuda, o espaço para uma estrutura aeronáutica, donde pudessem controlar o acesso rápido à Europa, África e Médio Oriente. Mas mas onde isso já ia. Tudo em nome da posição estratégica dos Açores. Dias houvera até em que o sonho americano, concretizado ali na Base das Lajes, contaminara muitos açorianos : e por que não tornarem -se americanos sem terem de sair da sua ilha? Sim, já que havia tantos deles a quem a necessidade obrigava à emigração? Fazia todo o sentido.
    Mas o momento não é de reviver esses sonhos acalentados, porque não é todos os dias que os açorianos do século XXI podiam gabar-se de lhes cair em cima tamanho rebuliço e tamanha excitação:
  • Louvado seja Deus! Os americanos lembraram-se de nós!
  • Cala-te mulher, não sabes o que dizes! É o mesmo que deixar entrar a Rússia nas nossas casas!
  • Credo, que o Senhor Espírito Santo nos livre de tal coisa!
  • Ora, deixem-se disso: ainda vamos mas é ter por cá uma Riviera terceirense!
  • E para que querem vocês Rivieras, não me dizem? Não vos chega a animação das nossas touradas, do nosso Carnaval … das nossas festas…?
  • A verdade é que noutros tempos fomos muito ajudados com aqueles empregos chorudos da Base
  • Mas este Trump não é de confiança (não se pode levar a sério uma pessoa com um nome destes!). E por que será que nem a Dinamarca nem o Canadá lhe aceitam as propostas, ãh? Ele quer é pôr a sua América a governar o mundo. E se o pudesse conquistar todo, era o que faria…
  • E com a com a ajuda do Musk e do Putin. talvez conseguisse!
    Esta gente sabe receber, era o que entre si constatavam os ilustres visitantes. Vestidos a rigor, não fosse o Vance vice-presidente perguntar-lhes se não tinham uma fatiota adequada à ocasião, os terceirenses aguardavam, senhores de uma paciência que estavam bem longe de sentir. E a cidade engalanada também aguardava com eles.
    O presidente do governo regional já tinha vindo ao beija-mão (como aquilo fazia lembrar a Cimeira e o Durão Barroso de outros tempos!). O 1º ministro é que ainda não tinha podido aparecer por andar empenhado na campanha das eleições, mas não tardaria. Afinal ainda não se sabia por quanto pretendia Trump comprar o arquipélago. E iria o governo português aceitar semelhante proposta? Iria ele prescindir do poder e da responsabilidade que lhe advém de o arquipélago ser um importantíssimo ponto de apoio para a política de defesa e segurança do Ocidente?
    O povo açoriano bem que poderia dizer, se lhe perguntassem, que até ali pouco proveito tinham recebido dessa situação privilegiada. Não tinha havido contrapartidas à altura, vindas de hóspede tão rico. Além disso, desconfiavam daquele “tipo”. Como também desconfiavam da generosidade exibicionista do braço direito dele, um tal de Musk, sempre pronto a exibir dólares sem motivo que se visse.
    Foi quando surgiu então uma ideia brilhante. Tudo gizado entre os eletricistas, homens sábios, de trabalho humilde, encarregados da instalação adequada de tudo quanto fosse elétrico. Também insensíveis à verborreia trumpista e aos dólares de Musk, acrescente-se.
    A estada destes visitantes ilustres ia decorrendo entremeada de muitos Let’s make Azores great!, tendo eles omitido o again por ser mais que óbvia a insignificância dos açorianos que, achavam eles, jamais tinham usufruído de alguma greatness que se visse. Let’s make America great again era exclusivo da America de Trump. Havia também muitas expetativas suspensas, sem que nenhuma das partes mostrasse ter pressa. A estranheza e a curiosidade de Donald Trump ia-se manifestando em pequenas coisas, como aconteceu quando lhe serviram ao ao lanche donas amélias: ficou agradavelmente surpreendido com o sabor, daí o interesse por quem as fazia e como as fazia. Só que quando lhe disseram que quem as fazia não divulgava a receita, ele reagiu de modo inconformado, dizendo que nunca aceitava negas, muito menos de quem estava em vias de lhe pertencer. A pobre da dona da pastelaria que ele tinha honrado com a sua presença, transtornada, entrou numa de tremuras e, dizem os presentes, de tão assustada , faltaram-lhe as força até para falar.
    Mas quanto ao resto podia dizer-se que todos se esforçavam por lhe facilitar ao máximo o conforto e os desejos. O que ele estava longe de imaginar era como lhe andavam a acompanhar todos os detalhes dos seus dias, desde que se levantava até ao deitar. Disso se tinham encarregado as câmaras que os eletricistas tinham engenhosamente espalhado pelos aposentos dele. Foi assim que a população ficou a conhecer as verdadeiras intenções daquele “bem-feitor” e o que podia esperar dele no futuro.
  • Pois, parece que por aqui estes gajos são dados, ao heroísmo… Connosco não precisam disso. Só queremos que tenham juízo. De resto eles sabem que nós levamos sempre a melhor…
  • Angra do Heroísmo, Praia da Vitória… Respeitinho, somos heróis! Isto não será tudo inventado?
  • Sabe-se lá do que serão capazes. Nos meus tempos de estudante, intervém Donald Trump, nunca acreditei na História que andavam a impingir-nos. É tão fácil inventar. E às vezes o jeito que isso dá! A verdade é uma coisa muito, mas mesmo muito subjetiva, conclui ele do fundo dos seus 78 anos.
  • Mas não deixa de ter graça aquela estória, inventada ou não, em que os terceirenses põem as vacas a expulsar os invasores da ilha!
  • A propósito de tropas, quero dizer-vos que eles não ficaram nada mal servidos quando os britânicos se retiraram e nós manifestámos interesse em ficar por cá. As contrapartidas não foram nada más, não senhor.
  • Foi quando criámos as United States Armed Forces e o aeródromo que nos iria proporcionar a assistência aérea de que precisávamos nas travessias aéreas do Atlântico. Contrapartidas teria sempre que haver…
  • Mas alto aí. Há coisas com as quais não concordo.
  • Quais senhor Presidente?
  • Vigilância marítima, operações de busca e salvamento, tudo bem. Mas a evacuação de doentes inter-ilhas? Essas questões de saúde que as resolvam eles. Ouvi estórias de mulheres que pariram nessas viagens de avião! Que incrível! As mulheres têm que saber controlar essas manifestações dos seus corpos!
    (Silêncio. De conivência? Ou de receio estupidificado?)
  • O que eles não podem negar é que o apoio que demos às populações terá sido o principal suporte de recursos do governo açoriano até, pode dizer-se, a adesão de Portugal à União Europeia.
  • São uns pobretanas. Temos tantos deles emigrados na nossa terra. É a sorte grande o que lhe vimos oferecer! Mas convinha que não estivessem a par de muita coisa que por cá fez estória, como os voos ilegais da CIA ou o armazenamento de armas nucleares.
  • Não acho que se deva ter espalhado por cá a estória daqueles nossos militares que diziam estar cancerosos por terem ficado expostos a radiações desta base. O assunto foi tratado com algum sigilo.
  • Não faltam estórias vividas ou supostamente vividas na base das Lajes, como eles lhe chamam. A do ovni visto por um português de guarda a um armazém é uma delas…
  • O que verdadeiramente nos interessa agora é negociarmos um preço adequado. Porque, não tenhamos dúvidas :esta base é do maior interesse para nós norte-americanos por ser um ótima barreira de proteção à costa leste dos Estados Unidos.
  • Esta gente é muito diferente dos gronelandenses, presidente, veja como nos recebem! E se porventura o governo não aceitasse o nosso projeto, estou convencido que a vontade popular se iria sobrepor.
  • Não sei. Estamos a lidar com gente de um 25 de abril que deu que falar.
  • O stress não deve morar nestas paragens. Se eu fosse militar, não me importava de trazer a família e vir vir viver para cá..
  • Sim? Pois amanhã vamos ter de continuar a fazer-lhes ver como eles iriam ter uma rica vida connosco por cá. Rica em todos os sentidos! E quanto àquele assunto das donas amélias: já remos a receita? Vai sair-lhe cara a teimosia! Depois de comprarmos os Açores, adeus pastelaria :fecho-lha bem fechada.
    Com receita ou sem ela.

Maria Luísa Soares *

  • Escritora
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