“Como ensaísta, a escrita de Onésimo é conhecida pela sua profundidade intelectual, humor e acessibilidade. Mistura filosofia, história e crítica cultural para analisar tópicos que vão desde a identidade e a modernidade ao significado da açorianidade num mundo cada vez mais globalizado, ou isolado em alguns casos.”
Onésimo Teotónio Almeida, professor emérito da prestigiosa Universidade de Brown, em Providence Rhode Island, é, como muitos de vós o sabeis, uma personalidade de relevo no diálogo cultural e académico entre os Açores e a América do Norte. Filósofo de formação e escritor por vocação, dedicou várias décadas da sua vida ao estudo e à promoção da cultura portuguesa e açoriana, sobretudo nos Estados Unidos e no Canadá. Os seus contributos vão para além do mundo académico, abrangendo os domínios da literatura, do jornalismo cultural e do discurso público, onde tem sido uma voz influente na defesa de uma compreensão mais profunda da identidade açoriana no contexto da diáspora de língua portuguesa. Numa recente e merecida homenagem pelas Correntes de Escrita na Póvoa do Varzim, Ana Daniela Soares, disse-o magistralmente: “Já devemos muito a Onésimo, desde logo a busca não sisuda do rigor e o facto de nunca ter desistido de Portugal e das múltiplas heranças que dele irradiaram a partir da Idade Moderna, sem falsas modéstias nem ilusões.” Ao que acrescentaria: também por nunca ter desistido da Diáspora e de todas as nossas vicissitudes.
Como ensaísta, a escrita de Onésimo é conhecida pela sua profundidade intelectual, humor e acessibilidade. Mistura filosofia, história e crítica cultural para analisar tópicos que vão desde a identidade e a modernidade ao significado da açorianidade num mundo cada vez mais globalizado, ou isolado em alguns casos. Os seus livros e artigos abordam frequentemente a experiência dos imigrantes açorianos na América do Norte, Estados Unidos e Canadá, lançando luz sobre as complexidades da adaptação cultural, da memória e do património. Através destes escritos, tem ajudado gerações de luso-americanos e luso-canadianos a articular e afirmar o seu sentido de pertença, tanto à sua terra natal como aos seus países de adoção. Na já citada publicação das Correntes, Urbano Bettencourt escreveu: “as crónicas do Onésimo estão aí ao nosso dispor, desafiando o tempo e alguns dos seus fantasmas. Continuar a lê-las será sempre um gesto de autonomia pessoal, um ato de liberdade e cidadania.”
Onésimo Almeida tem também desempenhado um papel fundamental como editor, promotor cultural e o intelectual público que nunca que diz que não. Tem contribuído significativamente para a divulgação da literatura de língua portuguesa em contextos anglófonos e francófonos. Lançou e apoiou numerosos projetos literários e académicos que elevam as vozes açorianas, seja através da edição de antologias, da publicação de ensaios, da tradução ou da promoção de escritores emergentes. Através da revista e da editora Gávea-Brown e instituições como o Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown criou uma ponte intelectual duradoura entre os Açores e o mundo académico na América do Norte. Cito Luís Ricardo Duarte no texto da referida publicação das correntes dizendo, o que sempre pensei e sempre apreciei no Onésimo: “nunca se põe de fora. Está em tudo o que faz e esta é mais uma razão para ser o melhor dos mestres.” E como afirmou Vamberto Freitas: “tem uma memória de ferro, nada e ninguém se esquece nas suas palestras.” Aliás, quem o conhece sabe que a sua generosidade não tem limites.
Para além das suas inúmeras atividades literárias e académicas, Onésimo Almeida tem trabalhado consistentemente para tornar a cultura açoriana visível e respeitada na esfera pública americana e canadiana. As suas palestras, entrevistas e a sua presença nos média, tanto em português como em inglês, têm ajudado a traduzir as nuances da cultura açoriana para um público mais vasto. É frequentemente chamado a comentar questões que afetam a diáspora portuguesa, e a sua frequência em conferências internacionais e fóruns culturais tem assegurado que os Açores sejam representados com rigor e orgulho. Cito Joel Neto: “-a filosofia, o ensaio, a academia, a dimensão de intelectual público, o papel de aproximador entre povos e desmistificador da cultura e da sociedade americanas, tudo isso com alcance nacional e internacional – que não lhe podemos pagar nunca. Porque mais ninguém o desempenhou e porque mais ninguém podia de facto desempenhá-lo.”
O legado do Professor Onésimo Teotónio Almeida reside, em última análise, no seu incansável esforço para trazer os Açores e a América do Norte para uma conversa cultural significativa. O seu trabalho académico, a sua produção literária e a sua defesa da cultura alargaram a compreensão da identidade açoriana e reforçaram os laços entre comunidades separadas por um oceano, mas unidas pela língua, pela memória e pela imaginação. Ele não é apenas um guardião do património, mas também um agente dinâmico da evolução cultural –um homem cujo trabalho de vida continua a inspirar académicos, escritores e leitores em todos os continentes. Como escreveu Helder Macedo: Onésimo Teotónio Almeida, é “um exemplar cidadão do mundo que, por ser afirmativamente português, se tornou num exemplar cidadão global. E, é claro, é também o generoso companheiro de viagem que sempre soube transformar o gelo do mundo em calor humano.” É esse calor humano, esse homem único, que celebramos e agradecemos.
Por fim uma nota mais pessoal: há intelectuais que iluminam caminhos; há outros que, além disso, ensinam a ver a luz que já habitava em nós. Para mim, Onésimo Teotónio Almeida é um desses raros espíritos. Intelectual de amplos horizontes, filósofo do Atlântico e do Mundo, escritor de afetos e ideias, a sua escrita não só reflete sobre a identidade açoriana, mas vive e pensa essa identidade como uma forma de liberdade interior. Entre as brumas das ilhas e os diálogos com o mundo, a sua obra transcende geografias e culturas. Onésimo é na realidade um oceano, o tal imenso Rio Atlântico (termo dele), vasto, generoso e em constante movimento. Com a escrita de Onésimo aprendi que pensar é uma forma de resistir, que a identidade não é uma prisão, mas uma travessia, e que ser açoriano no mundo é também ser mundo a partir dos Açores. É que a escrita e as palestras e de Onésimo Teotónio Almeida, mais do que dizer quem e o que somos, convidam-nos a imaginar o que podemos ser.
E assim, na alvorada eterna do pensamento e da palavra, Onésimo Teotónio Almeida permanece — não apenas como farol, mas como constelação acesa no firmamento da cultura, guiando-nos por entre as névoas do esquecimento e os silêncios da distância. A sua escrita não é apenas voz: é vento que sopra das ilhas para o mundo e do mundo para as ilhas. É corrente que leva e que traz, é raiz aérea que floresce no coração dos que vivem entre partidas e pertenças.
Há em Onésimo um dom raro: o de transformar o exílio em casa, a saudade em ponte, a filosofia em gesto, e a memória em futuro. Cada texto seu é uma embarcação onde cabem todos os nossos nomes, cada palestra um porto onde regressamos mais inteiros, mais lúcidos, mais livres.Ele é o sopro que anima a travessia, o sal que conserva as lembranças, o calor que resiste às invernias.
Ouvi algures que há vidas que não se medem em datas, mas em marés. Onésimo é uma dessas vidas-rio que, sem pedir licença, desaguam no coração da história — para a lavar, para a iluminar, para a pulsar. Celebrá-lo é mais do que agradecer-lhe: é aprender a sonhar com ele, entre a ilha e o infinito, onde tudo ainda é possível, onde pensar é amar, escrever é cuidar, viver é partir — e regressar com os braços cheios de mundo.
Texto escrito e lido na homenagem feita no colóquio organizado pela Luso Presse de Norberto Aguiar em Montreal no Canadá.
Diniz Borges, nos EUA