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Diário da Ditadura – A América de ontem, a de hoje e a de amanhã

O livro que atualmente dorme na minha banca de cabeceira foi uma surpresa para mim. Editado já este ano pelo Instituto Histórico da Ilha Terceira, reúne a série “Crónicas das Américas”, escritas e publicadas no jornal “A União” depois de uma viagem aos Estados Unidos em 1926 e de uma segunda viagem em 1929, desta vez à Argentina e Brasil, empreendidas pelo Dr.Joaquim Bartolomeu Flores. Nascido na cidade de Angra em 1888, Joaquim Flores formou-se em Medicina na Universidade de Coimbra e exerceu a sua profissão no Hospital de Santo Espírito e na Casa de Saúde de São Rafael, onde mais tarde foi acompanhado pelo sobrinho, Dr. Hélio Flores Brasil.
Embora ainda nem tenha chegado a meio – o livro tem 410 páginas! -tenho-me consolado com as descrições do Dr. Flores. Pessoa culta e com variadíssimos interesses, o autor usa uma linguagem simples, escorreita, mas bem delineada, e com laivos defino sentido de humor para trazer aos leitores a sua visão da América, em toda a plenitude dos seus desenvolvimentos. As novas tecnologias da época, os parques, as grandes cidades, os museus e principalmente as universidades e os hospitais onde teve o ensejo de aprender novas técnicas de cirurgia e tratamentos medicinais e psiquiátricos, tudo está aqui descrito e a proporcionar ao leitor- mormente aos residentes nos E.U. – uma base de comparação com o nosso viver atual. Afinal a visita dele aconteceu só há 99 anos!
Até agora dois pontos despertaram a minha atenção: o senhor doutor visitou e assistiu à Festa do Espírito Santo em Lincoln, a cidade onde eu vivo. Deduzo, pelo que ele diz, que não ficou muito impressionado nem com a festa, nem com a cidade, a que ele até chama de “aldeia”. A festa desse ano foi apenas a terceira que se realizou, mas talvez o autor gostasse de saber que ainda continua viva, daqui a três semanas os descendentes dos portugueses encherão a cidade de Lincoln pela 102ª vez.
O segundo ponto engraçado que li no livro foi a descrição de uma sessão de trabalhos no Congresso Federal, em Washington. Passo a palavra ao ilustre médico-escriba:
“Na galeria podem sentar-se 2.500 mirones, que têm de estar muito quietos e caladinhos sob pena de serem postos no andar da rua. Nessa atitude estivemos nós também, assistindo a uma sessão do parlamento, em que se falava da Prohibition, ou seja, a lei contra o uso de bebidas alcoólicas…
…Que comédia, afinal de contas! Junto das suas 400 carteiras, lá estavam alguns deputados, apresentando sintomas de vários estados de alma! Quase nenhuns prestavam atenção ao orador (the speaker) que congestionadoe a gesticular, estava voltado para o presidente, fingindo este, por dever do ofício, que se importava com o que ouvia! Entretanto uns deputados dormitavam, outros liam jornais; aqui um grupo deles estava de risada, em conversa amena… A certa altura começou a chamada dos senhores deputados e isso é que foi surgirem como galinhas à vista de grãos de milho!… Assim foi representada a farsa parlamentar naquele dia!”
A América do tempo da visita do Sr. Doutor Flores é muito diferente da de agora; contudo, tenho visto na televisão comportamentos no Congresso parecidos com os que o autor relatou, e isto por partes iguais dos dois partidos que compõem o espectro político americano. Os níveis de hipocrisia andam sempre mais altos do que os arranha-céus que tanto espantaram o senhor doutor, que, dizia, “gostei de dormir mais perto da Lua!” O que não posso comparar é a nojice política de hoje com a que poderá ter existido na altura, já que o autor não perdeu muito tempoa escrever sobre isso. Talvez mais à frente, não me esqueci que ainda tenho muito para ler.
Saltando para as minhas crónicas e deixando de lado as do doutor Flores, fiquei a pensar que, se alguém se desse ao trabalho, daqui a 100 anos, de publicar um livrinho com estes textos que vou escrevendo, talvez ficasse espantado ao constatar algumas misérias com que nos deparamos agora. Por exemplo, no aspecto da hipocrisia, ver uns vídeos – se essa tecnologia resistir até ao ano 2125 – dos mais próximos colaboradores do atual criminoso-presidente gravados mesmo há poucos anos e comparar o modo como falavam mal dele e, agora, gostosamente lhe beijam a parte detrás da barriga, seria talvez de deixar muita gente de olhos arregalados.
Para termos comparativos, inventaram os media modernos esta história dos primeiros 100 dias de governação de um novo presidente. O senhor Trump não sai nada favorecido, fica na cauda de todas as comparações, mas isso não o impede de continuar a vomitar veneno e a manter a insegurança e a falta de tino e senso comum. Tem sido uma presidência vivida e decidida nos tribunais e com tentativas de criar leis e normas fabricadas por ordens administrativas que os seus cortesãos lhe impingem e ele, qual pavão em dia de cio, as mostra em grandes capas coloridas e as assina sem sequer as ler ou saber o que está lá escrito. Reparem na cara de admiração que ele mostra quando ouve os subalternos a explicarem o assunto em questão, como se fosse a primeira vez que o ouvisse.
Que estes 100 dias não sejam o presságio para o resto desta presidência. A América de agora precisa de tranquilidade, de ordem e de mentes honestas que lhe forneçam a Justiça e a Esperança num futuro melhor. Escrevia-me um amigo do coração: “São tantos os atropelos à Constituição e ao primado da Lei e da Moral que acabamos por recear que toda a estrutura da Democracia colapse”. Que esse receio não se confirme, caro JMS.

João Bendito

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