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Envelhecer é uma arte

“Os Açores, pela sua natureza conservadora, que já referi há umas linhas atrás, permanecem agarrados a conceitos académicos, e a um passado vincado na pele, onde o importante é contar memórias e recordar outros tempos.”

Não será chocante para quem me ler, o facto de começar este texto por afirmar que os Açores continuam com um vasto manancial de trabalho por fazer, na forma como se quer afirmar no combate aos preconceitos e na evolução de pensamento social e humano. Qualquer açoriana ou açoriano saberá que essa dura realidade em nada invalida o nosso apreço por estas ilhas que nos fizeram resistentes. E, sendo filha das Flores, gosto de acreditar que sou de uma resistência muito particular, a oeste.
É essa resiliência primordial que recordo com ternura, desde a minha infância, nas rugas e nas vontades das figuras com idade avançada que sempre ajudaram a moldar o meu caminho. Dos pequenos caminhos rurais das Lajes e Santa Cruz, aos corredores dos estabelecimentos de ensino, e daí até aos gabinetes por onde andei, sempre acreditei na valorização da experiência de vida, em todas as suas formas e habilitações pessoais. Claro que, por assumir os meus ideais de forma convicta, nem sempre sou bem aceite pelo bafiento conservadorismo. Mas há mil e uma maneiras de envelhecer, tal como há milhentas formas de nos fazermos pessoas, e da mesma forma que nem todo a pessoa idosa é preconceituosa, também nem todo o caminho deve ser feito com esse preconceito.
Assumo, desde já, que não aprecio a velhice, nem a romantizo. Não gosto deste processo, das suas consequências, mas aceito-o como uma fase da vida, na qual nos vamos apercebendo que deixamos de ser as mesmas pessoas, muito devido às condições físicas e cognitivas que o avançar da idade nos apresenta. Não gosto do conceito “velho ou velha”, nem mesmo quando na minha juventude, foi moda tratar os pais e mães por “velhos e velhas”. Não se trata de tabu ou de preconceito. É acompanhar a inovação, pela qual tantas pessoas lutaram, para adequar os termos e acabar com estigmas associados aos discursos. Por isso mesmo, não se comemora o “Dia do Velho”, mas sim, o “Dia Internacional da Idoso”, instituído pela Organização das Nações Unidas, em 1991.
Nesse sentido, por estes dias, revisitei uma iniciativa, que em tempos já tinha conhecido, e que agora me foi recordado, por um acontecimento recente. Creio na empatia social como ferramenta de ação direta junto de quem mais precisa, dando respostas sociais que o Estado não o faz. Fico contente quando tropeço em instituições e projetos que promovem esse carinho de forma eficaz e direta. A Casa de Povo de Santa Bárbara, na ilha Terceira, é um Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que trabalha com ênfase na sua freguesia, mas cujos projetos vão emanando boas-práticas para o resto do arquipélago. Destaque para a figura de Durval Santos, presidente da instituição e pessoa de particular e pertinente visão social, que tem promovido várias iniciativas de grande importância para a sustentabilidade comunitária e para o combate ao bafiento e ao preconceito.
Destaco o projeto Envelhe(ser) 100 Preconceito. Esta iniciativa assumiu-se, recentemente, como uma das mais relevantes, a nível nacional, no combate ao envelhecimento de ideias, e na promoção do enriquecimento da nossa dignidade humana. Uma vez mais, partiu da Casa de Povo de Santa Bárbara, para falar à população dos preconceitos contra as pessoas idosas, e das alternativas que existem, face a uma sociedade que tem de reconhecer devidamente o valor e a estimular adequadamente, a sua comunidade sénior.
O abandono, ou a violência contra pessoas idosas, tal qual mente a violência doméstica e outras formas de abusos de tipologia semelhante, são assuntos ainda com muito por fazer nas nossas vidas. Os Açores, pela sua natureza conservadora, que já referi há umas linhas atrás, permanecem agarrados a conceitos académicos, e a um passado vincado na pele, onde o importante é contar memórias e recordar outros tempos. Evoluir e melhorar parece ficar, tantas vezes, para segundo plano. Quantas pessoas já não leram por aí histórias de meninos a gabarem-se de nunca terem chorado quando eram pequeninos?
Esses preconceitos, e muitos outros, são desconstruídos pelo trabalho de Durval Santos e da sua equipa, num esforço manifestamente meritório de toda a Casa do Povo, já amplamente celebrado a nível nacional, tendo uma relação e apoio científico do Professor Alexandre Kalache, Presidente do Centro Internacional de Longevidade e responsável pelo Programa de Envelhecimento Global da Organização Mundial da Saúde, bem como uma relação com a Associação Nacional Stop Idadismo, através do apoio técnico do Dr. José Carreira. Alerto para o facto de que esta instituição terceirense foi a primeira e única a nível nacional, até ao presente, a receber o Selo de Qualidade de Melhores Práticas Contra o Idadismo.
Lembrei-me dele há uns dias, quando assisti on-line, ao Ageing Azores, Congresso Internacional sobre Envelhecimento, organizado pela Associação Nacional de Gerontologia Social (ANGES), em Angra do Heroísmo, e que, por um lapso que ainda não consegui compreender, não ter contato com qualquer referência a este projeto sem preconceitos. Não conhecendo os motivos, não valerá a pena dissertar sobre os mesmos. Mas fica apenas a recomendação à organização, porque foi apenas o primeiro Ageing Azores, para que no futuro possam olhar para o que Durval Santos e a sua equipa promovem, com o reconhecimento que é merecido.
Estes eventos merecem todo o meu reconhecimento. São momentos de partilha de conhecimento, de metodologias, de reflexão. E foi, exatamente, isso que a ANGES nos proporcionou. Um vasto leque de oradoras e oradores, nacionais e internacionais, que apresentaram e falaram do que está feito, do que falta fazer, através da comparação de muitas situações que divergem de país para país.
Não desconsiderando qualquer intervenção, que merecem todo o meu respeito, destaco as intervenções da Sra. Secretária Regional da Saúde e Solidariedade Social, Mónica Seidi, que evidenciou o que é feito na nossa Região e o que falta fazer; do Sr. Padre Júlio, que com o seu sorriso e as suas palavras assertivas, leva-me a um estado de reflexão e emocional de tal ordem, que não é possível transcrever; da Sra. Psicóloga Flávia Soares, que na primeira pessoa, falou da Felicidade com o coração, sem impingir qualquer ideia acerca de tal conceito; e do Animador Sociocultural Paulo Freitas, que, de forma dinâmica e criativa, levou para aquele espaço testemunhos de pessoas idosas, de crianças e adolescentes, acerca da velhice. Entre sorrisos, palavras, passeios e cantigas, ficou-me a de António Mourão, “Oh tempo volta para trás” …
Felicito a ANGES pela organização, o Rodrigo Silva pelo seu esforço para colocar a Terceira no mapa destes eventos e todos os homenageados, mas questiono-me acerca da razão pela qual nenhuma mulher mereceu ser homenageada. Numa ilha com 56 mil habitantes, não há nenhuma mulher que se tenha destacado pelo seu trabalho e que tenha levado os Açores a outros patamares? Como cidadã atenta e interventiva, a minha “medalha” vai para milhares de gerações de mulheres que cuidaram de familiares e conhecidos, sem qualquer reconhecimento jurídico do seu trabalho e para Tatiana Ourique, que grávida de seis meses, mostrou, mais uma vez, que o lugar da mulher é onde ela quiser.
SIGAAAmos o nosso caminho, mas conscientes da importância do trabalho que as IPSS desempenham e de muitos dos percalços que superam todos os dias, de forma a prestarem os melhores cuidados. SIGAAAmos conscientes de que o sector social é um dos maiores empregadores do nosso país e de que, diariamente, trabalham pessoas mal renumeradas, com um desgaste físico e emocional enorme. SIGAAAmos com a certeza de que lutar por aumentos salariais, não se trata de ganância, mas sim de Direitos, ainda mais quando se fala de pessoas que trabalharam desde o nascer do sol até ao por do sol, e que hoje têm pensões miseráveis.
Num mundo que passa a correr, vivendo numa sociedade cada vez mais afligida pela demência e pelo ódio, trabalhar em defesa dos mais necessitados, dando-lhes o palco merecido, e incentivando-os a recuperar a dignidade que em tempos conquistaram. A Durval Santos e a quem com ele trabalha, à ANGES, ficam os votos de boa continuação. Porque nem tudo podem ser desgraças neste arquipélago de resilientes. E se não há elixires para a eterna juventude, há pelo menos que saber envelhecer com engenho e arte, como diria Sérgio Godinho.

Alexandra Manes

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