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A Azores Airlines e a dependência do mercado americano: Plano P, precisa-se.

“O atual modelo da Azores Airlines, centrado numa visão excessivamente otimista do eixo EUA-Europa com escala nos Açores, não é financeiramente viável e, num cenário de crise, sê-lo-à ainda menos.”

Um pouco por toda a Europa, no México e no Canadá, as companhias aéreas estão a analisar diariamente o comportamento das reservas nos seus voos de e para os Estados Unidos desde que Donald Trump assumiu a presidência do país. O mercado norte-americano é um dos mais importantes para a aviação comercial, mas a forma como cada companhia é afetada pelas suas vicissitudes depende diretamente da exposição da sua rede a esse risco. Uma das formas de medir essa exposição é calcular o chamado ASM (do inglês Available Seat Miles) que indica o número de assentos disponíveis multiplicado pelas milhas voadas. Esta métrica ajuda a compreender quanto “espaço” está à venda em todos os voos e destinos de uma companhia e pode ser usado para avaliar a sua exposição geográfica, eficiência operacional e alocação de recursos. Quanto mais ASM se concentrarem num mercado específico, maior a dependência da companhia desse mesmo mercado. Recorrendo às informações do agregador mundial de dados comerciais aeronáuticos, Cirium, cerca de 25% da capacidade total ASM da Azores Airlines está concentrada em apenas dois destinos nos Estados Unidos, um número que sobe para quase 30% quando se incluiu o tráfego gerado indiretamente a partir do Continente, da Europa e de Cabo Verde para Boston e Nova Iorque com escala nos Açores e que é frequentemente composto por passageiros atraídos por tarifas muito baixas e com fraca rentabilidade para a companhia. Com base nestes dados, é fácil concluir que, em 2025, a Azores Airlines se encontra excessivamente exposta ao mercado dos EUA. Para além disso, a aposta cada vez maior no tráfego de “hub” (aquele que apenas troca de avião nos Açores para seguir viagem) levanta sérios alertas estratégicos. Em caso de perturbações no eixo transatlântico – como uma recessão nos EUA, alterações nas políticas migratórias, boicote moral ao destino ou mesmo uma ofensiva promocional dos grandes grupos aéreos e das Low Cost que operam voos entre os dois lados do Atlântico – a Azores Airlines encontra-se numa posição extremamente vulnerável e sem robustez financeira nem escala para reagir com eficácia. Numa eventual quebra da procura, a concorrência fará o que sempre faz nestas ocasiões: descontará agressivamente os preços na classe económica para estimular a procura e esse é exatamente o segmento de mercado em que a companhia açoriana opera e relativamente ao qual não terá qualquer margem para acompanhar uma batalha tarifária pelo passageiro. É sabido que a Azores Airlines tem tentado estimular o tráfego europeu de Paris, Milão, Frankfurt ou Barcelona a trocar de avião em Ponta Delgada e seguir viagem até aos EUA. Contrariamente às outras companhias estrangeiras que voam para os Açores, estas ligações europeias da Azores Airlines estão contaminadas por uma lógica de “hub” mal remunerado e que inclusivamente falha em ligar esses passageiros no mesmo dia às outras ilhas. As taxas de ocupação destes voos europeus podem esconder a verdadeira questão da rentabilidade e, nesse caso, o risco para a transportadora é duplo: uma fragilidade financeira mascarada pela ilusão de sucesso operacional.
Face a este cenário, e tendo em conta o dinheiro público doado, é imperativo que a tutela exija um plano B que repense a estratégia da transportadora, independentemente do processo de privatização em curso. Por isso, faço estas perguntas: a administração da Azores Airlines já apresentou um plano para reduzir a sua exposição ao mercado americano, ajustando a oferta à procura real e sustentável entre os Açores e os EUA? Já foi apresentada uma alternativa que aposte mais num modelo ponto-a-ponto, voltado para o mercado étnico e para o turista que deseja conhecer os Açores e que esteja disposto a pagar mais por um voo direto e sem escalas com a conetividade garantida para os demais destinos únicos que o Grupo SATA oferece? Como vai ser explorada a oportunidade real representada pelo mercado de lazer do leste Canadiano que dá sinais de querer boicotar os destinos tradicionais nos EUA e que procura alternativas? Está a ser reavaliada a operação dos voos da Bermuda, ilha com uma comunidade açoriana importante e disposta a pagar mais por um voo direto de 5 horas em vez de ter de pernoitar nos Estados Unidos para chegar ao arquipélago numa viagem de duração superior a 24 horas?
O atual modelo da Azores Airlines, centrado numa visão excessivamente otimista do eixo EUA-Europa com escala nos Açores, não é financeiramente viável e, num cenário de crise, sê-lo-à ainda menos. A companhia precisa de se reposicionar como uma transportadora ágil, conectada a nichos valiosos e mercados sustentáveis. Menos volume, mais valor. Menos passageiros em trânsito por preço baixo, mais passageiros com vontade real de visitar os Açores e a pagar por isso. É aí que está o futuro – e a sobrevivência – da companhia. Enquanto não houver um acionista privado que se responsabilize por uma estratégia suicida que nenhum contribuinte deveria ter de assumir, o mínimo que se pode exigir é que a tutela esteja à altura da sua missão e que exija um Plano P – “P” de poupar o contribuinte de mais uma injeção financeira a fundo perdido.

Pedro Castro*

  • Consultor em Aviação Comercial e Turism
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