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Os Açores na Europa, há 40 anos

Foi celebrado, com pompa e circunstância, como se costuma dizer, o 40º aniversário da adesão de Portugal às então denominadas Comunidades Europeias, mas parece-me que nos actos solenes então organizados em Lisboa se falou pouco ou talvez mesmo nada do facto de na mesma data os Açores – e aliás também a Madeira – também terem passado a fazer parte de tais entidades, com a sua personalidade própria e após uma aturada participação nas negociações realizadas.
É que os Açores são uma Região Autónoma da República Portuguesa, dotada de órgãos de governo próprio, conforme estabelece a própria Constituição, de modo que nem tudo o que se diz da mesma República se aplica logo e indiscriminadamente às nossas Ilhas!
Isto estava muito claramente estabelecido, desde o início, na cabeça dos responsáveis açorianos e foi entrando também, com mais ou menos dificuldade, na dos titulares dos Órgãos de Soberania, honra lhes seja por isso. António Ramalho Eanes e Mário Soares, que primeiramente exerceram os cargos de Presidente da República e Primeiro Ministro, merecem ser a este respeito mencionados.
Não foram fáceis as negociações europeias para o I Governo Regional, a que tive a honra de presidir. Desde logo, houve que decidir se o nosso objectivo deveria ser entrar nas Comunidades Europeias ou ficar de fora delas. Observava-se nessa altura uma certa posição de afastamento ou até mesmo de recuo, por parte de algumas regiões insulares, que faziam parte de países membros das instituições europeias. Era o caso das Ilhas Anglo-Normandas, situadas no Canal da Mancha, e da Ilha de Man, entre a Grã-Bretanha e a Irlanda, invocando os seus privilégios fiscais e o facto de não pertencerem ao Reino Unido, articulando-se com o Soberano em termos retintamente feudais… Mas algumas ilhas dinamarquesas, com destaque para a Gronelândia, estavam até a negociar a saída das Comunidades Europeias, incomodadas com o que então estava ainda no início, ou seja as políticas comuns de pescas e a intervenção comunitária nos assuntos marinhos. A nossa decisão foi, como é sabido, de adesão ao processo de integração europeia, dada a relevância económica da agricultura, muito acarinhada então a nível europeu pela Política Agrícola Comum, mas salvaguardadas as especificidades regionais e visando a definição daquilo que já então chamámos uma política europeia para as ilhas.
Esteve o Governo Regional presente nas várias fases da complexa negociação da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, fazendo-se representar pelo meu Adjunto e mais tarde mesmo Subsecretário e portanto membro do Governo, Carlos Freitas da Silva. Conseguimos obter as derrogações necessárias à defesa dos nossos interesses próprios, nomeadamente em matéria de agricultura e de pescas. Sobretudo obtivemos uma referência especial num documento anexo ao Tratado de Adesão, a “ Declaração Comum relativa ao desenvolvimento económico e social da Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”, que a seguir se reproduz, para refrescar algumas memórias:
“As Altas Partes Contratantes lembram que entre os objectivos fundamentais da Comunidade Económica Europeia se inclui a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos povos dos Estados-membros, bem como o desenvolvimento harmonioso das suas economias, pela redução das desigualdades entre as diversas regiões e do atraso das menos favorecidas.
Tomam nota de que o Governo da República Portuguesa e as Autoridades das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira se encontram empenhados numa política de desenvolvimento económico e social que tem por fim ultrapassar as desvantagens destas regiões, decorrentes da sua situação geográfica afastada do continente europeu, da sua orografia particular, das graves insuficiências de infra-estruturas e do seu atraso económico.
Reconhecem que é do seu interesse comum que os objectivos desta política sejam atingidos e lembram que as disposições específicas relativas às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira foram adoptadas nos instrumentos de adesão.
As Altas Partes Contratantes acordam em recomendar, para o efeito, às instituições da Comunidade que dediquem especial atenção à realização dos objectivos acima referidos. “
O texto reproduzido foi acertado entre Mário Soares, Alberto João Jardim e eu próprio e ficou a marcar compromissos nacionais e europeus de grande importância. Se me perguntarem se passados 40 anos foram todos esses objectivos cumpridos terei de dizer que falta ainda muito trabalho a fazer, mas é preciso reconhecer que se melhorou muito e a Europa passou a ser uma realidade bem diferente entre nós. Tenho dito a este respeito, aos meus alunos da Universidade dos Açores, que se operou uma verdadeira “revolução copernicana”, porque durante séculos o Povo Açoriano viveu virado para o Continente Americano, para onde emigraram tantos açorianos, primeiramente para o Brasil, depois para os Estados Unidos e mais recentemente para o Canadá.
Aos mesmos alunos tenho ensinado que há na Europa um antes e um depois da entrada em cena dos Açores e também da Madeira: uma atenção diferente aos problemas e às dificuldades das Ilhas Europeias e ao seu significado para a Europa, concretizado em programas de apoio que até hoje se mantêm e na definição de um estatuto próprio, com consagração num artigo do Tratado de Lisboa, de 2007, das regiões insulares ultraperiféricas.

João Bosco Mota Amaral*

  • (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
    Ortográfico)
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