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Medo e delírio no aeroporto

A crónica da semana passada gerou uma intensa discussão online sobre a proposta de alteração do nome da aerogare civil das Lajes para aeroporto Nuno Bettencourt. O objetivo de qualquer cronista é esse: atirar um pedregulho para o lago para ver a lama subir. Mas fica a dúvida: será que a pedra foi bem atirada? Será o lago demasiado pequeno para grandes ondas? Uma coisa, porém, é certa: a aerogare civil das lajes nunca se vai chamar aeroporto Nuno Bettencourt.
Não vou contestar a opinião de ninguém, mas uma dúvida emerge no meio do lamaçal: Será que respeitamos os nossos artistas?
Há uma história que me assombrou desde que a soube. Um amigo, enviou-me, há uns anos, a foto de um prémio que ganhou num bazar de uma festa do Espírito Santo, daqueles que vendem rifas. Era um quadro de um afamado artista plástico açoriano que alguém, quando confrontado pelo pedido porta a porta dos organizadores da festa (entre procurar um tupperware ainda novinho ou um aspirador da Temu de ¼ de escala), achou mais prático despachar um quadro de um artista da Região. Já ando à caça de um Domingos Rebelo pelos bazares da ilha…
Isto sempre me chocou, mas, no fundo, esta atitude é apenas um reflexo daquilo que, na minha opinião, muitos artistas açorianos enfrentam; sejam músicos, pintores, arquitetos, escritores… todos sobem a ladeira íngreme do conservadorismo cultural da nossa terra. E, ironicamente, somos uma das regiões com mais talento per capita da Europa. Disso podem ter a certeza!
A petição aqui lançada foi como uma garrafa de gás lançada à fogueira. Medo, delírio, concordância, discordância e puro veneno. “Quem é esse gajo”; “O que é que ele alguma fez pelos Açores”; “Quem fez essa petição anda a fumar coisas de certeza”, os comentários mais delicados do lado negativo. Do lado positivo li: “Merecidíssimo”; “É uma homenagem justa e merecida”; “Já!”; “Nuno é um símbolo dos Açores. Merece respeito e ser imortal”. Mas o meu preferido, de longe, é, sem dúvida “Isso é não ter nada que fazer”. Imaginem que estão a escrever este comentário… o que estava a fazer quem o escreveu? Nada! A dissonância cognitiva no seu estado mais puro.
No meio dos extremos emocionais, a ala central foi relevante. Muitas pessoas efetivamente respeitam a extrema relevância do Nuno Bettencourt. Discordam apenas da petição. Uma alteração do nome de uma aerogare é algo que, para eles, simplesmente não faz sentido. Um centro de congressos, uma rua, talvez uma avenida seria mais praticável. Concordo. Se fizerem a petição, assino por baixo. Mas é inegável que nenhuma dessas ideias teria o impacto que a proposta do aeroporto teve. O nome Nuno Bettencourt rodou nestes últimos dias com uma intensidade surpreendente. Esta crónica, na sua sétima edição, jamais imaginaria um impacto tão intenso no que diz respeito à chamada de atenção para um músico de tão alto gabarito, que na opinião deste cronista, é criminalmente subvalorizado na sua própria terra natal.
Crónica 1 Falta de respeito 0.
Mas este jogo não acabou em vitória para a crónica. O aeroporto nunca se vai chamar Nuno Bettencourt, e a petição (que facilmente atingiria o número de assinantes suficiente para seguir para discussão parlamentar) não será atirada a este lago para ficar suja de lama. Ser um peixe grande num lago pequeno é, à partida, bom. O topo da cadeia trófica é um lugar apetecível. Mas nos lagos dos Açores, os peixes pequenos não dão hipótese. O peixe grande acaba sempre por pular para outros corpos de água menos agitados. Ou então arrisca-se a ficar isolado. Dá que pensar. Por um lado, ninguém brinca com a raça açoriana: não é povo de compromissos, é opinativo e desafiador – Antes Morrer Livres que em Paz Sujeitos. O problema é quando estes traços sociais, que são a nossa força, se tornam uma pré definição usada apenas por defeito, uma resposta automática para contrariar em vez de construir.
O jogo acaba em derrota para a petição. Talvez fosse um sonho demasiado romântico, talvez uma estratégia maquiavélica de marketing. Maybe talvez, como dizem os antigos. Mas não fique descansado, caro leitor. Para a semana talvez se tente mudar o nome do Coliseu Micaelense, ou algo assim.
O Pedro Pauleta que se prepare. Vai ser o próximo a ficar viral na internet.

Philip Pontes

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