Muito antes de as redes sociais se infiltrarem nas nossas casas e devorarem uma parte significativa do tempo que deveríamos dedicar às urgências da vida, já existia, nos fóruns públicos e caixas de comentários, um exército indistinto de anónimos pronto a opinar sobre qualquer tema. Faziam-no — e continuam a fazê-lo — sem argumentos, sem lógica, sem rumo. Muitas vezes, recorrendo à linguagem mais boçal que se possa imaginar.
O problema é que esses “haters” migraram para as novas plataformas digitais, em especial para o Facebook. Mantendo-se anónimos atrás de perfis falsos, operam sem qualquer filtro, moderação ou contraditório. Movidos pelas motivações mais absurdas, comentam e distorcem à vontade, sem o mínimo respeito pela verdade ou pelo bom senso. É escrever e logo se vê. É opinar e que se desenrasquem os visados. É mentir só para atrair atenções.
Depois, há a impossibilidade prática de aplicar qualquer juízo legal a esta torrente de publicações falaciosas, comentários tóxicos e reações difamatórias. Os tribunais estão atolados em processos sem fim — imagine-se se todos os ofendidos online decidissem procurar justiça. Como não existe justiça célere, eficaz e abrangente para este tipo de conduta, a opção acaba por ser o conformismo. Deixa-se andar.
Ainda assim, continuo a acreditar — talvez teimosamente — na pedagogia e na responsabilização. Educar para a convivência em sociedade é, e será sempre, o caminho mais sensato para cultivar a esperança de que as pessoas podem ser melhores. Mas, já sem a juventude nem a ilusão de querer mudar o mundo, tudo isto me soa a utopia. E mentimo-nos, esperando o melhor. A sociedade há de mudar. Mas não muda.
Como se chegou até aqui? Não sei. Mas não podemos deixar de combater esta era de trevas: a ignorância, a maldade gratuita, a estupidez militante. Porque, se desistirmos, deixaremos de ser humanos. E talvez reste apenas a esperança — trágica, irónica — de que a inteligência artificial nos salvará da estupidez orgânica.
Luís Soares Almeida