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Vamberto Freitas: Voz Críticaque Liga os Açores ao Mundo Literário

“Neste sentido, a sua obra constitui uma intervenção duradoura no pensamento crítico dos Açores e da lusofonia. Pode-se, pois, dizer que Vamberto Freitas irradia conteúdos que estimulam o debate e alargam horizontes.”

O nome de Vamberto Freitas é hoje incontornável no panorama literário português. A sua relevância ultrapassa os círculos académicos ou universitários. Em “Border Crossings – Leituras Transatlânticas”, série de ensaios agora no seu sétimo volume (Letras Lavadas, 2025), mais do que um crítico, Freitas manifesta-se como um verdadeiro mediador cultural entre o mundo lusófono europeu e a diáspora luso-americana.
A sua escrita, acessível mas intelectualmente exigente, constrói pontes entre experiências e tradições que muitos julgariam distantes. Com uma vida dividida entre os Açores e os Estados Unidos, ancorada em afetos familiais, Freitas transforma esta condição de fronteira numa vantagem experiencial, com leituras que ajudam a compreender identidades em trânsito e formas de pertença múltipla.
Observador atento, Freitas não se limita à análise de livros. Penetra nos silêncios, nas escolhas estilísticas e nas intenções implícitas da escrita, revelando significados latentes que escapam à leitura superficial. Por isso, talvez, confessa: “só leio o que quero” entre os muitos títulos que lhe enviam. Como o pintor que trabalha a luz e a sombra, lê entrelinhas com sensibilidade e rigor, explorando a psicologia literária dos autores.
Esta abordagem ensaística, evoca o pensamento de Norman Holland (1927–2017), figura central da “psicocrítica” nos Estados Unidos, cuja obra propôs uma leitura literária baseada na teoria da receção e na psicanálise. Holland argumentou que a experiência estética de uma obra envolve um processo dinâmico de projeção e identificação por parte do leitor (The Dynamics of Literary Response, 1968). Contrastando com a tendência europeia representada por George Steiner (1929 – 2020) — Language and Silence, 1967 —, voltada para a erudição filosófica, histórica e linguística, Freitas não descura os elementos essenciais da obra — estrutura, conteúdo, estilo e contexto — projetando, simultaneamente, influências culturais da sua enculturação e a sua formação académica.
Na última Feira do Livro de Lisboa, o professor Ernesto Rodrigues, da Universidade de Lisboa, reconheceu Freitas como “o principal crítico literário português depois de João Gaspar Simões” — uma afirmação que confirma a apreciação, ainda que nem sempre publicada, de reconhecidas figuras da literatura diaspórica e do país. Os seus ensaios, contudo, falam para todos os Açores, na forma como articula o sentido de lugar, a vivência da emigração e a fidelidade a um património multicultural em que se insere como imigrante.
Licenciado na California State University, Fullerton, Freitas regressou ao arquipélago para lecionar na recém-fundada Universidade dos Açores. Em paralelo, manteve sempre uma presença ativa na comunicação social açoriana, ocupando espaços de reflexão e apreciação de autores selecionados.
Freitas revela uma consciência clara das tensões entre tradição e modernidade, insularidade e abertura, pertença e desenraizamento. Embora não o afirme diretamente, esta vivência crítica entre dois mundos ressoa nos seus textos. A frase de Onésimo Almeida — “sou americano nos Estados Unidos e português em Portugal”, dita a propósito de si próprio — serve aqui como chave interpretativa para compreender a consciência crítica que também informa o trabalho de Vamberto Freitas. Ele lê o mundo com conhecimento e convicção a partir das margens e das travessias.
Em Border Crossings – Leituras Transatlânticas, o autor dá continuidade à prática de leitura profunda, atravessando paisagens culturais da literatura açoriana, luso-americana e da diáspora em geral. Ao contrário da tendência que James Wood criticou como “realismo histérico” — uma acumulação de detalhes banais sem profundidade — Freitas mantém o foco na dimensão simbólica e psicológica da narrativa, com linguagem clara e elegante.
O seu pensamento crítico não se encerra numa torre de marfim. Pelo contrário, convida o leitor comum, curioso e reflexivo, a partilhar a viagem literária. A sua escrita comunica com naturalidade, sem sacrificar a complexidade, e sem se deixar enredar por posições ideológicas obscuras. A sua crítica é simultaneamente gesto de leitura, escuta atenta e difusão intelectual. Lê-se não apenas o que é dito, mas o que ecoa no não dito — nas hesitações, nas metáforas, nos desvios. E compartilha-seum pensamento aberto eem trânsito, capaz de se deixar afetar pelo outro.
Mais do que interpretar, trata-se de dialogar, de construir pontes entre tempos, culturas e linguagens. Nos seus ensaios, reconhece-se a experiência de quem vive entre territórios, mas recusa o desenraizamento. Abraça a diversidade cultural sem renunciar à identidade binómica que o caracteriza. Neste sentido, a sua obra constitui uma intervenção duradoura no pensamento crítico dos Açores e da lusofonia. Pode-se, pois, dizer que Vamberto Freitas irradia conteúdos que estimulam o debate e alargam horizontes.

Manuel Leal

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