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Autonomia ou Dependência

As últimas semanas foram dominadas por uma discussão inevitável e, em certa medida, adiada em demasia: a situação das finanças regionais nos Açores. A aprovação no parlamento de iniciativas, nomeadamente da Iniciativa Liberal, para reduzir a despesa da Região é um sinal positivo de que existe vontade política de encarar o problema. Mas, por muito que o gesto mereça aplauso, é apenas o início de um longo caminho.
O anúncio do Secretário Regional das Finanças de um plano de poupança de 30 milhões de euros é igualmente um passo meritório. Revela intenção, mas a própria tutela reconhece que é insuficiente perante a dimensão do desafio. Quando falamos de um aumento de 450 milhões no custo de funcionamento da administração pública desde 2019, a dimensão do problema torna-se evidente. A verdade nua e crua é que não se fará um verdadeiro reequilíbrio sem sacrifícios. Foi-o dito na conferência da Ordem dos Economistas e é necessário que se interiorize: o ajustamento virá tanto pelo lado da receita como pelo lado da despesa.
Já no dia anterior, o Presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Angra do Heroísmo tinha alertado que um possível caminho seria encurtar o diferencial fiscal com a República, subir impostos entenda-se, a par com travões na contração de dívida e um hipotético perdão de dívida integrado numa política de fomento ao crescimento.
Do lado da despesa, as margens são escassas. A estrutura orçamental da Região está capturada por rubricas inelásticas, impossíveis de reduzir sem uma política de austeridade dura. Isso implicaria cortes nos salários da função pública, nos apoios sociais, na saúde e na educação. Tal cenário seria politicamente devastador e socialmente arriscado. No entanto, não pode ser descartado que uma verdadeira modernização da máquina pública, complementando a já em curso redução do número de funcionários, seja a via possível para um alívio estrutural. Medidas de eficiência, digitalização e reorganização podem, ao longo do tempo, gerar ganhos relevantes. Pequenos ajustes, como a atualização da Tarifa Açores indexada à inflação, também seriam prudentes e com impacto real.
O custo da dívida atinge hoje níveis dificilmente suportáveis e, com o acréscimo de endividamento previsto para 2026, aproximar-nos-emos de valores relativos semelhantes aos que levaram a Madeira a ser intervencionada. Nesse contexto, poderia equacionar-se o parqueamento de parte do passivo na dívida pública nacional, o que para os Açores equivaleria a um perdão parcial. O atual bom desempenho da dívida nacional, aliado às circunstâncias políticas favoráveis de alinhamento entre Governo da República e Governo Regional, tornam este momento propício. Contudo, seria ingénuo pensar que tal operação ocorreria sem contrapartidas severas, incluindo restrições adicionais à Autonomia, consequência de mais de três décadas de gestão financeira pouco responsável. A responsabilidade é coletiva: fomos nós, enquanto eleitores, que sustentámos este percurso.
Do lado da receita, a solução imediata e mais óbvia seria o aumento de impostos. Poderá até não haver alternativa, caso seja imposta no âmbito das negociações com a República. Contudo, essa abordagem, ainda que inevitável no curto prazo, não deve toldar a visão estratégica. A Região não pode resignar-se a um ciclo de impostos mais altos e crescimento anémico. O PIB regional, embora impulsionado pelo turismo e por alguns indicadores robustos de atividade, continua a revelar uma convergência débil com o país. Este paradoxo carece de explicação. É provável que o peso excessivo do Estado e a sua situação financeira asfixiem parte do potencial económico privado. Fica o desafio lançado aos economistas.
Existem, no entanto, dimensões estruturais que não podem ser esquecidas. Desde logo, a questão demográfica. A Região enfrenta um envelhecimento acelerado e taxas de natalidade preocupantes. É preciso definir, sem ambiguidade, uma política de crescimento populacional, apostando tanto em medidas de incentivo à natalidade como na atração de imigrantes para setores que sofrem com falta de mão de obra.
Outra área negligenciada é a captação de investimento externo. Desde a extinção da SDEA, por razões políticas, ficou um vazio que nunca foi preenchido. A cooperação com agências nacionais é praticamente inexistente e a política de atração de investimento resume-se a gestos simbólicos e viagens protocolares. A Região não pode abdicar deste vetor de crescimento. Exemplos como o investimento da Google nos Açores mostram o impacto potencial que iniciativas bem estruturadas podem ter no PIB e na arrecadação de receita.
Acresce ainda o imperativo de reformar os apoios ao investimento, tornando-os mais ágeis, menos burocráticos e mais orientados para resultados concretos. O Plano e Orçamento para 2026 assume como único objetivo a execução dos fundos comunitários. Tal orientação é redutora e insuficiente. A execução dos fundos deve ser uma ferramenta ao serviço de uma estratégia, e não a estratégia em si.
Por outro lado, existem sectores que, não fosse a grave escassez de mão de obra, poderiam contribuir de modo muito mais relevante para o crescimento. A construção civil, por exemplo, está hoje limitada por esse factor, apesar de a conjuntura ser excelente: existe procura interna e externa enorme de habitação, procura robusta para construção de hotéis e para obras públicas, há necessidade de execução do PO2030 e do PRR, e há financiamento disponível em abundância, seja através de crédito à habitação ou dos fundos europeus.
Duarte Freitas tem dado sinais de querer enfrentar a realidade com seriedade. Porém, não há sinais de que existam condições políticas na Região para uma mudança desta magnitude, porém a ausência de liderança do Presidente do Governo é gritante, como aparentemente é a falta de apoio de quase toda a composição do conselho de governo. Não há uma visão clara para o futuro dos Açores e isso mina qualquer esforço exigente. Ao mesmo tempo, a elite política regional parece mais ocupada com a sua sobrevivência e futuros pessoais do que com o interesse coletivo. É o jogo político no seu estado mais cru. O risco é que, incapazes de resolver os nossos próprios problemas, acabemos por ver regras externas impostas, com custos ainda maiores para a autonomia que tanto se proclama defender.
A Região precisa de um verdadeiro plano de reequilíbrio, como precisa de liderança, coragem política e clareza estratégica. Sem isso, o que resta é a inevitabilidade de uma austeridade imposta de fora, sem qualquer margem para escolha própria.

André Silveira

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