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Nemésio, açorianidade e autonomia açoriana

“Portanto, jovens, quando estiverdes perante o nome de Nemésio, venere-o (= respeitai-o) porque ele tem origem nos cânones da história política dos Açores, nomeadamente no nosso lema político «Antes morrer livres que em paz sujeitos»; aliás, Nemésio vem na mesma linha do jesuíta António Cordeiro, outro terceirense, o 1.º que nos Açores, no século XVIII, pensou e escreveu sobre o melhoramento da autonomia açoriana.”

Um grupo de jovens artistas da diáspora açoriana afirmou recentemente em São Miguel «que já não se reveem na versão fechada e lúgubre da açorianidade como Nemésio a definiu». Felizmente estes três jovens lusodescendentes não representam a juventude açoriana e convém que conheçam um dos nomes mais significativos da sua memória coletiva. Felizmente a juventude insular é instruída na sua história de cinco séculos e têm um carinho especial pelas instituições, como são as pessoas e em especial os nossos poetas, como Vitorino Nemésio e Álamo Oliveira, Antero de Quental e Natália Correia, e tantos outros.
Sabendo que Vitorino Nemésio nasceu na ilha Terceira e na Praia local da Batalha da Praia, momento pungente dos destinos do país no início do século XIX – já é uma informação reveladora do seu génio: na década do seu nascer e crescer a Terceira era o único lugar do arquipélago onde se respirava portugalidade pois, nas palavras do açoriano micaelense Antero de Quental, de 1832, «a Terceira é uma terra essencialmente portuguesa» e é aqui onde «eu que de dia para dia me vou sentindo mais português». Portanto, jovens, quando estiverdes perante o nome de Nemésio, venere-o (= respeitai-o) porque ele tem origem nos cânones da história política dos Açores, nomeadamente no nosso lema político «Antes morrer livres que em paz sujeitos»; aliás, Nemésio vem na mesma linha do jesuíta António Cordeiro, outro terceirense, o 1.º que nos Açores, no século XVIII, pensou e escreveu sobre o melhoramento da autonomia açoriana.
Quando Nemésio escreveu o ensaio a que deu o nome Açorianidade em julho de 1932 para participar no V Centenário do Descobrimento dos Açores não o escreveu por mérito poético, mas como contributo civilizacional, portanto, político: vivia-se uma época de grande agitação regionalista na defesa da autonomia administrativa distrital. Isso mesmo é comprovado por um outro ensaio e com o mesmo título que Nemésio publicou em setembro do mesmo ano. Assim em formato de retalhos: no 1.º ensaio, depois de ele afirmar no 2.º parágrafo, que lhe é «impossível dar a mínima contribuição» como estudo ou reflexão sobre o objetivo da comemoração «que ajudem a consciência açoriana a tomar conta de si mesma e contribuam para que os Açores, como corpo autónomo de terras portuguesas (um autêntico viveiro de lusitanidade quatrocentista), entrem numa fase de atividade renovada, de reconstrução, de esforço humano e cívico», nos parágrafos seguintes Nemésio declara «o essencial da minha consciência de ilhéu», «em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; – e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar», «uma espécie de embriaguez do isolamento impregna a alma e os atos de todo o ilhéu, estrutura-lhe o espírito e procura uma fórmula quási religiosa de convívio com quem não teve a fortuna de nascer, como o logos, na água», «meio milénio de existência sobre tufos vulcânicos, por baixo de nuvens que são asas e de bicharocos que são nuvens, é já uma carga respeitável de tempo», «somos, portanto, gente nova. Mas a vida açoriana não data espiritualmente da colonização das ilhas: antes se projeta num passado telúrico que os geólogos reduzirão a tempo, se quiserem… Como homens, estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história», «como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar». E no 2.º ensaio Nemésio declara que a princípio, depois de descobertas, «Em si mesmos, os Açores valiam pouco», «mas a breve trecho as ilhas remergulharam no silêncio»; «por isso o destino dos Açores me parece ser historicamente um limbo de obscuridade. A sua história interna, própria, sem intromissões de fora parte, desenvolve-se num quadro de pequenas vicissitudes que só alguns dramas, encenados lá, vão quebrando. As ilhas fizeram-se viveiro de experiências políticas exteriores. Para lá foi tentar resistir D. António, e a Restauração montou ali tardiamente a sua máquina. Mas a grande página de história insular é o Liberalismo. O português que se sente novamente europeu lá vai preparar, depois do exílio, a invasão da europeidade – e o Robinson nacional encontra na Terceira a sua ilha. É – di-lo Herculano – «o rochedo da salvação». Para depois concluir «São terras de paz e esquecimento. Levaram quatrocentos anos para darem à Metrópole o espírito português mais inquieto – Antero de Quental – e mantiveram-se no seu magnífico apartamento, como afloramentos destinados quase apenas às garras das aves marinhas»¸ «e, todavia, lá vivem almas portuguesas das rijas e lá se passa uma comédia humana que tem, pelo menos, a grandeza da solidão». Ou seja, Nemésio, talvez sem o saber, tornou-se na mais proeminente figura autonómica porque determinou, pela 1.ª vez, a qualidade insular específica do açoriano na cultura portuguesa, e também pela 1.ª vez que essa qualidade justificava um modo de política condizente com essa condição insular atlântica.
Mas não só. Nemésio em março de 1976 em quatro poemas acabou por concluir esse verniz autonómico, mas sem o verniz lusitano dada a situação, esse imaginário de açorianidade: «na cinza parada o vento verde esconde as bombas da independência… É o povo que finge…», «Blocos de Ponta Delgada, Torres de Angra, Céus da Horta, a hora é soada, um peito sangra à nossa porta», «…por que espreitam o mar que sempre foi nosso… Vamos salvar as Ilhas: Eu tenho lá ossos de Pai e Mãe», «… de uma rocha do mar bravo, que o Guião da autonomia só por morte torna escravo». Não é coincidência que o movimento independentista sobretudo micaelense de 1975 tenha escolhido Nemésio como o 1.º presidente da república dos Açores; nem é coincidência que ele tenha recusado: recusou porque era herdeiro da matriz da açorianidade portuguesa.
Os açorianos tomaram consciência da sua condição autonómica com Vitorino Nemésio.

Arnaldo Ourique

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