Caro leitor, quero que imagine a sua garagem. Não como está agora, mas no seu auge: limpa, organizada, um templo de ordem. Ferramentas a brilhar, alinhadas como soldados romanos em formatura. Nas prateleiras, a repousar, todas aquelas coisas que não são dignas de estar dentro de casa, mas que você não tem coragem de meter no lixo, nem de colocar no exterior. Lembra-se da sua garagem assim? Pois bem… como é que, num piscar de olhos, parece que um tufão decidiu entrar na sua garagem? Tudo começa com um artigo fora do sítio. Um aspirador, que por cansaço, foi deixado um pouco ao lado do seu local habitual. No dia seguinte, o balde do “mapa” fica a meio caminho, e a caixa de papelão da reciclagem, que teima em transbordar, ganha vida própria, na esperança de que chegue o dia em que finalmente é levada. Quando dá por si, a garagem parece uma zona de guerra. A reposição da ordem exige mais do que a sua boa vontade: requer um empreiteiro, um camião, e em alguns casos, talvez uma intervenção das Nações Unidas. O caos nascido de um pequeno aspirador fora do sítio. A primeira pedra do dominó.
A mesma situação acontece nas cidades, e a isto se chama, a Teoria das Janelas Partidas, formulada em 1982 por James Q. Wilson e George Kelling. A ideia é simples e impactante: se uma janela se parte num edifício e ninguém a repara, uma mensagem silenciosa passa para os transeuntes – Aqui ninguém se importa. E se ninguém se importa, o desleixo contagia e multiplica-se. Primeiro o vidro partido, depois o lixo no chão, graffitis, e, antes que alguém perceba, o bairro todo parece abandonado e sem solução aparente.
Um exemplo famoso desta teoria vem da experiência conduzida pelo psicólogo Philip Zimbardo. Foram deixados dois carros idênticos em locais completamente distintos, um no Bronx, em Nova Iorque (bairro pobre e marcado pela criminalidade) e outro em Palo Alto, numa zona rica da Califórnia. O resultado foi o esperado. No Bronx o carro foi vandalizado em poucas horas (vidros partidos, pneus furados, peças roubadas). O de Palo Alto permaneceu intacto durante dias… Isto até que Zimbardo decidir intervir e quebrar um dos vidros do carro de propósito. Em menos de 24 horas, o carro “rico” teve exatamente o mesmo destino do outro. Conclusão? Não é a pobreza que gera o vandalismo, é o abandono. O caos desenrola-se a partir de um simples vidro partido, de uma parede grafitada, de um saco de lixo esquecido.
Importa então falar do comissário William Bratton, nomeado, nos anos 90, pelo, então, recém-eleito mayor de Nova Iorque Rudolph Giuliani. Bratton era um seguidor fiel da Teoria das Janelas Partidas e acreditava que a chave para travar o grande era combater o pequeno. Adotou uma estratégia simples e clara: restaurar a ordem visível, custasse o que custasse. Começou pelo metro, o coração da cidade. Todas as carruagens, infestadas de grafiti e com um nível de limpeza ao nível do rio Ganges, foram limpas. Nenhuma tinha permissão para circular até estar impecável. Polícias foram destacados para vigiar as entradas e deter quem tentasse viajar sem pagar. Anteriormente considerada uma pequena infração, a entrada no metro sem bilhete era, para Bratton, uma janela partida. E cada janela reparada era uma mensagem clara – “Aqui há regras”.
A estratégia foi aplicada, rapidamente, à cidade inteira. A polícia começou a atuar em todos os pequenos comportamentos de desordem: vandalismo, urinação pública, comércio ilegal. Por mais pequena que fosse a janela partida, era reparada. O resultado? A criminalidade geral, entre 1994 e 1999 reduziu 50%, catapultando “o vosso amigo” Giuliani para o estatuto de salvador da cidade. O remédio, infelizmente, começou a revelar efeitos secundários. Foi instaurada a política de tolerância zero, que rapidamente se transformou num excesso de zelo: milhares de detenções por infrações menores, perseguições a sem-abrigo e abuso policial mascarado de manutenção da ordem. A Teoria funcionava, mas existe um equilíbrio instável. O lado extremo da aplicação desta teoria também é lição!
Caro leitor, esqueça um pouco a sua garagem e pense agora numa cidade. Melhor ainda, façamos o exercício para Ponta Delgada. Consumo de drogas a céu aberto, tendas espalhadas por todos os recantos e pessoas a dormir no chão no centro da cidade. Prédios devolutos, emparedados com blocos de cimento, muitos deles com cartazes “vende-se” roçados pelo sol e esquecidos pelos vendedores. Caixotes do lixo que teimam em ser queimados, e vandalismo q.b… Sinais claros do descuido que temos com as nossas pessoas e a nossa infraestrutura. A Teoria das Janelas Partidas começa a tomar forma com precisão assustadora. O efeito dominó começa a ser visível: um prédio abandonado contagia uma rua inteira, uma tenda de comércio de droga inviabiliza um espaço público. A droga a circular. As lojas a fechar. Janelas partidas!
Assim morrem as cidades, com silêncio e indiferença.
Philip Pontes