Findas as eleições autárquicas, eis que surge o momento mais teatral da política local: a análise dos resultados. Não há palco mais fértil para a criatividade do que este. Os líderes partidários, sejam regionais ou concelhios, transformam-se em autênticos ilusionistas, capazes de fazer desaparecer derrotas e fazer aparecer vitórias onde só houve sobrevivência à tangente.
Comecemos pelos que perderam. Mas perderam com “dignidade”, dizem. “Foi uma derrota que nos fortalece”, afirmam com a convicção de quem acabou de ganhar um campeonato. Há quem consiga, com uma cara séria, transformar uma perda de mandatos em “um sinal claro de confiança renovada”. É preciso talento para este tipo de ginástica retórica. E, convenhamos, alguns têm-no em abundância.
Do outro lado, os que ganharam por uma unha negra, por meia dúzia de votos, celebram como se tivessem conquistado Paris. Discursos inflamados, selfies com eleitores, e comunicados que mais parecem manifestos revolucionários. A vitória é sempre “histórica”, mesmo que seja apenas estatisticamente insignificante. O ego, esse, não conhece humildade.
Mas há exceções. Poucas, é certo. Os raros líderes que olham para os resultados com honestidade, que reconhecem erros, que não se escondem atrás de frases feitas. Curiosamente — ou talvez não — esses são os que tiveram votações mais expressivas. Coincidência? Talvez. Ou talvez a sinceridade ainda seja valorizada por quem vota.
Contudo, sejamos claros: a política não se faz só de pós-eleições. Não há análise que substitua trabalho. Não há marketing que disfarce a ausência de ação. Enquanto os responsáveis políticos não se dedicarem verdadeiramente às suas comunidades, às suas cidades e freguesias, continuarão a viver num mundo paralelo, onde tudo se resolve com comunicados e likes.
Mais preocupante ainda é a incapacidade de assumir erros. A falta de responsabilidade pelas escolhas, pelos rumos, pelas decisões que afastam os melhores e mantêm os mesmos de sempre. Há dirigentes que, ano após ano, repetem os mesmos erros, rodeados por quem menos contribui e mais aplaude. E assim se perpetua a mediocridade.
Nas eleições autárquicas, os eleitores tendem a olhar para lá dos partidos. O voto é muitas vezes dirigido à pessoa, ao trabalho feito, à proximidade demonstrada. Quem se apresenta pela primeira vez é escrutinado com atenção, e quem se recandidata é avaliado pelo que fez nos últimos quatro anos. Não há promessa que suplante a memória coletiva de um mandato mal gerido.
Há também uma tendência clara: os eleitores dão, com frequência, um novo voto de confiança a quem já mostrou serviço. Seja nas Câmaras Municipais ou nas Juntas de Freguesia, a recandidatura é muitas vezes premiada com continuidade. Quando os limites de mandato são atingidos, há mudanças de partido que não são apenas estratégicas, mas quase inevitáveis. E aí, o eleitor decide se quer continuidade ou ruptura, mas sempre com base no que conhece, não no que lhe vendem.
Como em tudo na vida, nada é eterno. Os que hoje assobiam para o lado, ignorando os sinais, acabarão por acordar do outro lado da barricada. E aí, talvez percebam que a política não é um jogo de espelhos, mas sim um compromisso com a realidade.
Carlos Pinheiro