A cada semana que passa somos surpreendidos através da comunicação social regional sobre a situação verdadeiramente insustentável em que as finanças regionais se encontram. É um verdadeiro somatório de notícias negativas na área das finanças e cujo fim parece ser o infinito.
Isto apesar do governo regional (GR) – através de José Bolieiro, presidente e responsável máximo, e/ou outro membro do mesmo – tentarem mostrar que a situação não é negativa e que eles, os governantes, tudo estão a fazer de modo a vivermos cada vez melhor na Região.
Apregoaram, por exemplo, que os nossos salários valorizaram significativamente nos últimos anos, esquecendo que somos nós que mais diretamente sentimos “essa imaginária valorização” quando vamos adquirir produtos alimentares ou pagamos rendas de casa cada vez mais elevadas ou mesmo quando para utilizar um veículo motorizado, somos obrigados a pagar os elevados preços dos combustíveis, do gasóleo para as pescas e agricultura ou do gás doméstico (o ISP tem vindo a aumentar anualmente desde agosto 2022). No momento em que escrevo está anunciado pelo GR mais um aumento, mensalmente fatídico, dos produtos petrolíferos.
Como cidadãos responsáveis que somos, sabendo viver com o que temos disponível mensalmente, vamos verdadeiramente lutando no dia a dia de modo a podermos dar aos nossos filhos o melhor que nos é possível.
Mesmo os mais idosos, muitos a subsistirem de pensões miseráveis, vivem (pessimamente) com o que têm, muitas vezes fazendo opções entre comprar comida ou medicamentos. A isto chama-se “governar a vida” e não viver para além do que nos é possível. Quem não gostaria de ter mais?
Neste momento sinto que os limites, que são impostos a muitos dos nossos concidadãos a viver na Região, colocam em causa o seu e o futuro dos descendentes, como resultado de decisões politicamente e sucessivamente assumidas pelos governantes, que comprovadamente não conseguem gerir os Açores.
Fomos surpreendidos recentemente por uma notícia “bombástica” do GR a publicitar ter pago três centenas de milhares de euros a fornecedores, mas não nos conseguem – ou não querem? – dar a conhecer qual o montante total real da dívida pública regional, a todos os que fornecem bens/serviços ao GR. Só conhecendo este valor e a quem devemos, poderemos entender o porquê desta colossal dívida.
Entre outros o GR deve a diversos fornecedores de vários setores de atividade, aos lavradores e pescadores no que respeita a verbas atribuídas por programas ou a simples cidadãos nos apoios no setor da energia, em dívida de eletricidade pública consumida – em edifícios e vias públicas – em compromissos com doentes deslocados para se tratarem, em numerosos contratos programas realizados com edilidades/empresas públicas ( que vão sucessivamente sendo alterados por o GR não possuir disponibilidades de tesouraria para cumprir com as suas responsabilidades) ou mesmo não cumprindo as suas obrigações contratuais financeiras, por exemplo, com o setor dos transportes marítimos e aéreos regionais.
O total de dívida é um meio de que o GR dispôs/õe para se financiar e, na sua quase totalidade, sem pagar juros. Há alguns anos, tanto quanto recordo, a assembleia regional (ALR) aprovou legislação obrigando o GR a pagar juros do atraso nos pagamentos ao setor da saúde, sendo estes significativamente elevados para a altura (ao que me recordo de cerca de 7% ao ano). Os restantes juros das dividas a fornecedores são suportados pelos próprios.
Bastas vezes no caso das EP, segundo os relatório de auditoria do TC e dado a tesouraria pública regional não ter capacidade de satisfazer as suas obrigações, estas recorrem a financiamentos bancários, quando muito avalizados pelo GR, anualmente autorizados pela ALR.
Admito que a ALR recentemente solicitou ao GR a quantificação da dívida regional no setor da saúde. É oportuno que os representantes regionais solicitem a identificação da dívida total por fornecedor para termos conhecimento da mesma, como é direito de todos os residentes.
Para fazer face a toda esta degradada situação financeira regional, muito se falou da lei das finanças regionais (LFR) e do grupo de trabalho existente para a reformulação da mesma.
Admitia eu, que o trabalho estava bastante desenvolvido pelas notícias vindas a público, quando fiquei surpreendido com a ida de José Bolieiro à reunião do conselho de ministros onde Montenegro anunciou com “pompa e circunstância” a decisão, aprovada no mesmo, de constituir um grupo de trabalho para a LFR. Temos a partir de agora dois grupos? A trabalharem isoladamente?
A situação é ridícula quando o presidente do GR afirma, após a reunião de conselho de ministros, estar “muito satisfeito” com a decisão montenegrina da formação do grupo, acrescentando que o documento não será finalizado antes de 2027.
Não é de estranhar esta situação, como já havíamos escrito anteriormente, pois Montenegro inscreveu no orçamento de estado (OE), para o próximo ano, um valor extraordinário de 150 milhões a atribuir aos Açores para providenciar verbas para o PRR. Ou seja, Montenegro conseguiu, como é seu hábito, “calar” os governantes regionais e adiar por cerca de um ano e meio a aprovação da nova versão da LFR. E eles até dizem ter ficado satisfeitos.
Com as dificuldades financeiras que a Região apresenta nesta altura tudo leva a considerar que a “saúde” da tesouraria pública regional se irá degradar muito rapidamente, parecendo-me que estamos perante uma total desorientação governamental.
Engraçado é que a grande maioria dos responsáveis em vez de definir linhas de orientação politica que levem a poupar e gerir muitíssimo melhor o erário público, a única alternativa que apontam é “pedir” dinheiro à República – Bolieiro é vezeiro nisso – sendo que no decurso da semana passada, a nova versão para o peditório, apontada por Paz Ferreira, é a de que devíamos exigir mais verbas comunitárias.
E a responsabilidade regional em gerir capazmente os dinheiros regionais sem gastos injustificados? Onde fica?
Tenho tido o privilégio, pela situação de reformado em que me encontro, de disponibilizar tempo para ler algumas obras literárias atuais ou mesmo rever alguns dos clássicos ou não da literatura portuguesa. Tem sido simplesmente fabuloso!
Entre o que reli estão algumas das crónicas de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, publicadas em 1871 – in “As Farpas” – em que é chamada a atenção sobre a ineficácia e irresponsabilidade do governo da altura com a seguinte frase: “Este governo não cairá porque não é um edifício, remover-se-á com benzina porque é um nódoa”. Simplesmente formidável e quiçá atualizado.
J. Rosa Nunes
Prof. Doutor