Edit Template

O coelho contra-ataca

Passou o Orçamento do Estado para 2026. Passou no meio dos papéis que o salazarista atirou ao ar. Passou entre os perdigotos expelidos pelo líder parlamentar da tal bancada. Passou debaixo da chuva de lágrimas da vitimização habitual da rapariga da fila da frente, que não acredita nos direitos das mulheres. E com a gritaria do costume da bancada do extremo do ódio. Passou o Orçamento do Estado para 2026, de cara tapada, para que não se veja a reforma laboral que por aí abaixo virá. Chamam-lhe reforma, mas na verdade é uma demolição.
Recuemos até ao Concílio de Trento para uma breve retrospetiva da nossa história. Quando Martinho Lutero sonhou, um dia, combater a tirania despótica de uma Igreja Católica absolutista, estava longe de imaginar o movimento que trazia ao mundo. É também graças ao protestantismo que Trump e Bolsonaro por aí andam, afinal de contas. Todavia, naquela época, o sonho de Lutero parecia passar por uma religião mais livre, onde pensar não fosse pecado, e pagar a alma em peso de ouro não fosse obrigação. As reformas luteranas deram início a uma bola de neve, porque ajudaram a libertar uma sociedade obscurantista, e a despertar para o dealbar de uma nova época, de Renascimentos e Iluminismos.
Claro está, que, na altura, o objetivo foi logo alvo de um contra-ataque cerrado, por parte das forças do catolicismo. A designada contra-reforma de Trento veio pelas mãos dos conservadores que construíram novas ferramentas, ou reativaram outras ideias, para procurar suprimir os pensadores que se levantavam contra a opressão. Deu-se a ascensão do Santo Ofício e da tortura, em paralelo com os colégios de Jesuítas para assegurar que os programas pedagógicos estavam em conformidade com o papado. Por momentos, só lhes faltava dizer que era a Bem da Nação.
Muito da Humanidade correu e passou. Portugal viveu revoluções, e contra-revoluções. Liberalismos e Republicanismos, a par de Absolutismos e Monarquismos. O país, tal como o mundo, em ciclo permanente. Depois da queda da cadeira do ditador, e da deposição final do sucessor ditatorial, veio a madrugada esperada e a liberdade. Cinquenta anos volvidos, regressaram os salazaristas, absolutistas, bisnetos da contra-reforma de Trento, preparados com as ferramentas da Inquisição e da Direção-Geral de Segurança, que sucedeu a PIDE, para nos perseguir e censurar.
Graças aos esforços dessas forças da discórdia, Portugal regressou ao neoliberalismo. Depois de um dos piores momentos da sua história económica e social, aquando do governo de Passos Coelho, o ciclo continuou, e António Costa trouxe esperança, provisória ainda que, no final do dia, efémera. Agora, tomou o poder a Spinumviva. Na casa da Democracia, gritam-se impropérios e maldizeres, com tom de tasca e raiva entranhada nos dentes. O presidente daquela Assembleia assobia para o lado, limitando-se a admoestar com a gentileza de um pai que não deseja magoar o delinquente filhote. Os debates parlamentares servem apenas para lamentarmos a Nação que temos. Não se discutem medidas nem estratégias. E o Orçamento do Estado passa, ao vivo e a cores, alicerçado num discurso sem substância, que serve de máscara aos nefastos propósitos de Montenegro e restante cabala.
O neoliberalismo português foi uma experiência primeiramente introduzida por Cavaco Silva. Todavia, faltava-lhe a ambição de Pedro Passos Coelho, que quando tomou as rédeas foi mais longe que a Troika. Pelo meio, importa não esquecer o legado de fuga de Barroso e a alucinação coletiva que foi o governo de Santana Lopes. Todos eles, herdeiros do neoliberalismo.
Já nos esquecemos do que Passos Coelho fez ao país? Temo que assim seja. Mas mesmo que não o fosse, o debate parlamentar foi de tal forma desagradável que ninguém se apercebeu da desgraça laboral superiormente autorizada. Deixem-me que vos tente relembrar.
A partir do próximo ano, vai ser mais fácil despedirem-te. A ti, que estás no privado, há vinte anos na mesma empresa, e sentes segurança no teu profissionalismo. Vai ser bastante simples mandar-te para a rua, porque o teu trabalho é capaz de ser substituído por outra pessoa que ganha menos, ou por um algoritmo de computador. É que passa a ser possível abrir falência, sem grandes problemas, e depois reabrir novo negócio ao lado, para despedir quem queremos, sem consequências nem garantes de dignidade. Por outro lado, pode o patronato esticar o horário laboral para lá das quarenta e muitas horas, chegando mesmo à possibilidade das cinquenta, pelo banco de horas.
Na Saúde, passarão novas ações demolidoras, para piorar o estado a que já se chegou. O objetivo é evidente, e esteve desde o primeiro dia plasmado no plano de trabalho da extrema-direita, copiado do caderno que Passos Coelho não chegou a cumprir na totalidade: acabar com o SNS e financiar os hospitais privados. Sabiam que os donos de alguns Hospitais privados são financiadores do partido dos salazaristas? O mesmo se passa na Educação, com os donos dos grandes grupos das escolas privadas, algumas delas completamente controladas por pessoas com ligações à fundação desses grupos. O próprio Passos já abre os braços para abraçar os dois filhos, Luís e André, que depois de anos de briga, voltaram a dar as mãos para aprovar a sua grande contra-reforma para o país.
Dirão que os salazaristas votaram contra o Orçamento. É verdade. Foi uma tentativa ridícula de se afastarem do PS, cuja abstenção de nada serviu, perante o teatro amador que Ventura apresentou no parlamento. A verdade é que quem conhece os programas originais daquela fraca espécie de partido, sabe que eles contavam com quase todas as medidas laborais agora aprovadas, para piorar a vida das portuguesas e dos portugueses. O que foi feito, foi um negócio de bastidores, com a infeliz conivência da principal oposição ao centro, para que tudo se tenha passado, entre burcas, insultos e Salazar. E nós? Ficamos com o que temos. Um país que caminha para ser pior do que foi com o Coelho. Um país onde viver, vai custar demasiado. Um país que precisa, com urgência, de uma Greve Geral, como fizemos no tempo do Passos. Um país à beira do colapso das suas gentes, com ricos, muito ricos, do alto das suas Spinumvivas, a espezinhar quem quer sobreviver.
Mas calma. Ao menos vão aumentar 10 cêntimos no subsídio de refeição, para a Função Pública, não é? Lá para 2027, ao que parece…
Alexandra manes

Edit Template
Notícias Recentes
Reabilitação do Conservatório adiada e remetida para nova avaliação em 2026
Sandra Garcia transita da Direcção Regional da Cultura para a dos Assuntos Europeus e Cooperação Externa
“Governo da República falha aos agricultores açorianos em Lisboa e em Bruxelas”, afirma Franqueira Rodrigues
Paulo Moniz sublinha avanços credíveis para a nova Cadeia de São Miguel
Requalificação da Escola do Fisher na Lagoa não pode continuar esquecida, afirma PS/Açores
Notícia Anterior
Proxima Notícia

Copyright 2023 Diário dos Açores