“No país decorrem as eleições europeias, seguidas das eleições presidenciais e depois as autárquicas, e se a AD cair ainda temos de acrescentar mais uma eleição legislativa. Ou seja, toda essa atenção ajudará, de algum modo, a manutenção da Coligação regional. É certo que tudo isso, pelo contrário, pode provocar desgaste pela inércia de progresso efetivo; mas não é isso que tem acontecido na história política açoriana.”
Os analistas regionais, incluindo Martins Goulart, 1.º líder do PS-Açores, pensam que Francisco César, candidato à liderança do PS-Açores, terá uma notável peregrinação na oposição; pelo contrário, penso o oposto: se Francisco César souber ler a realidade açoriana e se preparar adequadamente, com alguma relativa facilidade chegará ao governo dos Açores. Nas suas palavras percebe-se essa dimensão quando afirma que «O pior erro que o PS-Açores poderá incorrer, nesta nova fase da sua história, é fazer do seu futuro a defesa do nosso passado. O nosso passado é a identidade de que não abdicamos, todavia, tal não significa que não devamos evoluir as nossas políticas, discutir novos rumos para a autonomia e, até, em alguns casos assumir ruturas».
Existem, efetivamente, muitos elementos que nos levam a pensar que esse líder fará uma travessia no deserto, algo parecido como o que aconteceu a Carlos César até 1996 e ao PSD-Açores daí até 2020. Na Europa vivemos um período de grande apreensão, com as guerras da Rússia e Israel; os extremismos que continuam a crescer; os juros elevados com descida muito lenta; a economia relativamente estagnada porque a economia de guerra não traduz investimento reprodutivo de progresso democrático. Ou seja, as atenções às questões europeias podem ter um papel de distração e de medo e isso empurra as pessoas para a manutenção dos governos, mais ainda os governos regionais que não possuem um sistema de governo verdadeiramente democrático.
No país decorrem as eleições europeias, seguidas das eleições presidenciais e depois as autárquicas, e se a AD cair ainda temos de acrescentar mais uma eleição legislativa. Ou seja, toda essa atenção ajudará, de algum modo, a manutenção da Coligação regional. É certo que tudo isso, pelo contrário, pode provocar desgaste pela inércia de progresso efetivo; mas não é isso que tem acontecido na história política açoriana. Em síntese neste ponto: o momento parece indiciar que o PS-Açores iniciará, com (ou sem) a alteração do seu líder, uma travessia no deserto. Veja-se, exemplo ilustrativo, o incendio no hospital de Ponta Delgada que levou o PS-Açores a mudar o seu voto de negativo para positivo no orçamento regional.
Em todo o caso, tudo isso não é suficiente; e alguns dos pontos anteditos, até podem ter efeitos diferentes do que se pode pensar a priori. Mas é sobretudo na forma como o novo líder fizer a sua entrada na política regional que ditará essa ideia, no nosso entender errónea, de que se espera uma grande vetustez para o PS-Açores.
Pelo lado do PS-Açores ele ainda é detentor de muitos trunfos. Carlos César, depois de Martins Goulart, entrou na política na oposição e o Governo Regional do PPD-PSD era muito forte por motivos de mérito próprio e por motivos alheios. De mérito próprio a figura de Mota Amaral que era incontornável e um conjunto de políticos de grande craveira política. Alheios, porque ganhou as primeiras eleições na novidade da autonomia política, da democracia e da liberdade e, realmente, vivia-se um período de grande dimensão política, até nas relações entre o Estado e a Região; e a própria sociedade estava numa fase de encantamento com a liberdade. Ora, neste momento Francisco César herda um partido que não está tão fragilizado e agastado como aconteceu ao PPD em 1996 com a saída abrupta de Mota Amaral. Além disso, Francisco César deve, com certeza, saber a lição de Carlos César de 1996: em eleições de grande complexidade e, mais-a-mais, de ganhos taco-a-taco, é necessário incentivar os melhores da sociedade para o projeto político do partido e, numa segunda fase, criar um governo, não com os amigos e amigalhaços, mas com os melhores. E pode ainda acrescentar algo que Carlos César não fez, porque não sabia então, e o PS-Açores nunca soube até perder em 2020, e por isso nunca teve maiorias confortáveis: se os melhores têm as pastas políticas como membros de governo, também têm de se escolher os melhores para dirigentes e assessores para que a administração pública tenha condições de implementar as políticas com eficácia e sem muitos custos. A inexistência de uma secretaria regional para a administração pública foi um erro colossal do PS-Açores. Se o novo líder socialista agarrar a política regional mais pelo lado da política e menos pelo lado meramente partidário estratégico de poder-pelo-poder, tem condições próprias para conseguir vencer e regressar ao poder.
E as coisas para a Coligação governativa do PSD-Açores não estão assim tão bem. Do 1.º governo, de 2020 a 2022, são evidentes os sinais: entre tantos, quis manter em funções forçadas o diretor regional da saúde, que era do PS-A, obrigando este a declarar que, sendo forçado pela lei a manter-se por noventa dias, findado o prazo abandonaria. Um governo acabado de ser eleito sem sequer ter ninguém com capacidade para uma questão tão significativa como a saúde, é obra. Com tão fraca capacidade política, nomeou para diretor regional da cultura um padre que durou pouco, por razões óbvias; arrecadou todos os cantos onde existia lugares de chefia, colocando certos dirigentes que nem sabiam o que é uma lei, preenchendo quase todos os lugares sem nenhum resquício de mérito; e colocando o CDS-Açores, um elementar partido regional, na vice-presidência e, mais-a-mais, nos assuntos da segurança social. E esta crueldade política continua a manter-se agora no seu 2.º governo desde 2023: como é explicável que um vice-presidente do governo ao fim de dois anos mude de pasta? O que é curioso: mudança precisamente no momento em que se confirma, e novamente, o elevadíssimo nível de pobreza que grassa nas ilhas; como se explica que o desporto esteja dois anos na saúde e no ano seguinte regresse novamente para a educação? Em síntese: a Coligação não estava preparada para governar. E o mais preocupante: em três anos e com dois governos continua sem estar preparada.
É sobretudo esta impreparação, por um lado, e é a prepotência deste governo, por outro, que contribuem sobremaneira para o PS-Açores fazer a diferença e voltar ao governo — se realmente o quiser fazer. Ademais, Francisco César possui, desde já, o mesmo número de deputados de José Bolieiro no parlamento regional, ou seja, nas variantes das últimas eleições regionais o PS-Açores sozinho continua a ter um maior número de eleitores. Não é que os socialistas façam melhor; mas é, ao menos, pela esperança de um novo executivo a governar com as populações e não com os amigos e amigalhaços e esquemas incompreensíveis.
Arnaldo Ourique