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Cais de chegadas

“Vem, de há muito, uma encapotada discriminação sobre famílias migrantes naturais de outras ilhas e países que aqui fixaram residência para fugir a dificuldades de sobrevivência.”

  1. A tarde ia quente e as ruas quase desertas. Só as bandeirinhas e as habituais barracas de comes e bebes ainda vazias davam sinais da festa do Cais Agosto, este ano, em finais de julho.
    A Vila de São Roque do Pico, nesta época estival, concentra um número apreciável de jovens.
    Outrora, eles vinham de todas as ilhas, sobretudo do grupo central, a bordo dos ferries. Traziam tendas, mochilas e pouco dinheiro para irem também à Semana do Mar, na Horta.
    Notei a ausência dos jovens, embora digam que no primeiro dia é sempre assim. Sexta e sábado são os dias mais fortes. Os concertos e os DJ,s são o chamariz. Este ano os “Xutos & Pontapés” são a grande atração.
    Não sou derrotista ao ponto de afirmar que isto vai de mal a pior. Não. Há novas formas de fazer festa, de alegrar as nossas gentes, de promover a confraternização de que tanto carecemos.
    As filarmónicas dão um contributo importante e elas mantém-se vivas, porque um número apreciável de jovens são tocadores.
    Na ilha do Pico, as filarmónicas atingem uma notável qualidade, pouco divulgada.
    O trabalho desenvolvido pelo ensino artístico e pelos novos e competentes maestros, traduz-se na integração juvenil. Há uns anos atrás, os tocadores mais velhos “aguentavam” aquelas instituições. Hoje é contrário. A formação musical tem-se traduzido na diversidade do instrumental, dos ritmos e dos reportórios, mais adequados às preferências dos tocadores e do público.
    No Cais Agosto, realizou-se um festival de Filarmónicas. (ver foto)
    Participaram 12 bandas, uma delas formada por emigrantes e descendentes vindos do Canadá. Todas elas, em simultâneo, interpretaram, a mesma peça, frente ao edifício dos Paços do Concelho. Espetáculo bonito e muito apreciado pelas centenas de pessoas presentes. Na Ilha do Pico existem treze filarmónicas, para uma população de 14 mil pessoas. Número apreciável se atendermos ao evidente e preocupante declínio e envelhecimento demográficos.
    Na falta de uma escola, alguns rapazes e raparigas ainda adolescentes, frequentam escolas profissionais no continente. Terminado o curso geral, prosseguem a sua formação musical e instrumental em cursos superiores. Os resultados estão à vista. A qualidade das filarmónicas melhorou muito. Hoje, o Pico orgulha-se de ter instituições musicais que podem ombrear-se com as congéneres, graças à formação e qualidade dos seus maestros e executantes.
  2. O inverno demográfico parece não incomodar nem responsáveis governamentais nem residentes. Apesar disso, é frequente o lamento da falta de mão de obra em vários setores de atividade, nomeadamente na construção civil e restauração.
    A solução, normalmente, é dirigida aos residentes sem atividade aparente. Segundo é voz comum, eles passam o dia no ócio dos lugares de cavaqueira, recebendo, alegadamente, apoios sociais. A este argumento associa-se, todavia, uma forte rejeição à vinda de trabalhadores imigrantes. Segundo líderes locais de opinião, porque beneficiam de apoios sociais à sua instalação, enquanto quem trabalha não tem essas mercês.
    Acresce a esta mentalidade outra crítica a emigrantes retornados: porque não produzem; porque beneficiam dos serviços de saúde sem terem pago impostos, nem terem descontado para a segurança social; porque gastam pouco das reformas que recebem, etc.
    Este desígnio programático, assumido publicamente por conhecida força política, perpassa, em meu entender, pelo eleitorado de outros partidos tradicionais, de ideologia contrária.
    É sinal de que essas forças políticas precisam de afirmar, sem receios, os seus princípios fundacionais, ou a política cairá num pragmatismo ocasional, despido de direitos e valores humanos.
    Vem, de há muito, uma encapotada discriminação sobre famílias migrantes naturais de outras ilhas e países que aqui fixaram residência para fugir a dificuldades de sobrevivência.
    Os cidadãos e famílias micaelenses, por exemplo, eram designados pelo sobrenome de “São Miguel” e assim ficaram “sinalizados” para toda a vida, apesar da sua plena integração na sociedade onde vivem. O mesmo se passou com emigrantes cabo-verdianos e outros.
    Se recuarmos no tempo, o mesmo sucedeu com povoadores de outras origens, nomeadamente espanhóis, cujas cidades de origem integraram sobrenomes que permaneceram nas gerações seguintes. Refiro o meu sobrenome: Ávila.
    Por toda a Europa é reconhecida a necessidade de movimentos migratórios, regulados, para fazer face ao declínio e envelhecimento populacionais.
    Nos Açores, este é um problema que deve merecer uma atenção e programação cuidada, para que quem aqui chega seja bem recebido e integrado em condições humanas dignas, idênticas às dos que aqui residem. Como aconteceu com milhares de açorianos emigrados nos EUA e no Canadá.
    Aos governantes, ao sistema educativo e a todas as instituições sócio-culturais, nomeadamente às instituições religiosas, compete educar os cidadãos para os valores dos direitos humanos. Para que na convivência entre os povos se promova a paz e o desenvolvimento.

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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