“É a crescente mobilidade humana que confirma a necessidade de abertura do nosso pequeno mundo ao Mundo e a outros povos. A Calheta de Nesquim é um bom exemplo da integração e da abertura ao OUTRO.”
O dia 6 de agosto é uma data muito celebrada na Ilha do Pico pois festejam-se as solenidades do Bom Jesus Milagroso no Santuário de São Mateus, concelho da Madalena e na Calheta de Nesquim, concelho das Lajes.
Os devotos, agora em menor número devido ao decréscimo populacional, concentram-se em maior número no Santuário vindos das ilhas vizinhas e da diáspora, para venerar a imagem trazida do Brasil pelo emigrante Francisco Ferreira Goulart. A festa de São Mateus remonta a 1862.
Só mais tarde, em 1906, Maria Filomena Gomes ofereceu uma imagem semelhante à Paroquial da Calheta de Nesquim para os devotos da Ponta da Ilha venerarem o Ecce Homo, pois ao tempo não havia estrada e o trajeto só se podia fazer a pé ou com recurso a meios rudimentares de transporte.
A Calheta de Nesquim é uma freguesia de pouca gente, embora naquele dia concentre visitantes da Ponta da Ilha – Ribeirinha, Piedade – e Ribeiras. Ligações marítimas muito antigas entre aqueles portos e Angra do Heroísmo, no tempo dos iates do Pico: Andorinha, Chalupa Helena, Ribeirense e Santo Amaro, e a intensa ligação devido à caça à baleia, continuam a aproximar as populações desta zona da ilha e as suas instituições, nomeadamente as filarmónicas e os Impérios do Espírito Santo.
Em fins do século 19, no “site” da Junta de Freguesia local refere-se que a Calheta de Nesquim tinha 1.600 habitantes e uma importante produção agrícola e pecuária.
Dados provisórios do Censo de 2021 referem a existência de 131 agregados familiares e 319 habitantes, mais 31 que a menos populosa freguesia do Pico – Santo Amaro.
Ao contrário, o património construído tem uma expressão significativa: existem 369 edifícios e 355 alojamentos, alguns deles destinados a Alojamento Local. O número exato não me foi possível apurar, mas serão cerca de 20 os edifícios recuperados, destinados a receber visitantes. Outros foram adquiridos por cidadãos estrangeiros que nesta época do ano aqui passam suas férias.
No interior da terra de Dias de Melo e de valorosos baleeiros, existem alguns caminhos municipais onde outrora viveram muitas famílias que se dedicavam às atividades agrícolas. Algumas dessas construções abandonadas ruíram. Os herdeiros, entretanto, venderam-nas e os novos proprietários reconstruíram-nas, mantendo a traça e o meio ambiente rurais, com as benfeitorias que hoje se impõem.
A Calheta de Nesquim, devido à presença de estrangeiros, nomeadamente franceses, é uma das localidades do sul do Pico mais visitadas.
A sua presença foi notória durante o arraial da Festa em honra do Bom Jesus Milagroso.
Não me passou despercebida a presença de uma dúzia de estudantes de várias academias portuguesas a maioria dos quais oriundos da localidade. É sinal de que os jovens picoenses, no final do ensino secundário prosseguem a sua formação académica.
Não dispondo de termos de comparação, limito-me a referir os dados do Censo de 2021 da população picoense, sobre o número de indivíduos dos vários grupos etários:
Dos 0-14 anos: 1.844; dos 15-24 anos: 1.325; dos 25-64 anos: 7.690 habitantes.
Em idade escolar, a mesma fonte adianta que completaram o 3º ciclo 2.335 alunos; frequentaram o secundário e o pós-secundário: 2.649 indivíduos e o ensino superior: 1.507 alunos.
É de realçar o significativo acréscimo de estudantes do ensino superior. Isto, porém, não significa que regressem à sua terra e se insiram no tecido económico e social.
Como acontece com as gerações mais bem preparadas, as opções de vida recaem, habitualmente, em espaços económicos e sociais com melhores e mais vantajosas realizações profissionais. Seja em que domínio for.
Muito poucos são os que optam pelas terras de naturalidade.
Mais tarde, porém, perante determinadas circunstâncias da vida, alguns migrantes retornam a “casa”. Isso começa já a acontecer com cidadãos emigrados nos EUA e no Canadá.
A melhoria das condições de habitabilidade resultantes de recuperações efetuadas em edifícios familiares e outros, o acesso a bens de consumo de toda a ordem, a paz e a tranquilidade, bem como a facilidade de deslocação ao exterior, são motivos que levam os nossos concidadãos emigrados a permanecerem mais tempo aqui, ou a fixarem-se definitivamente. O mesmo acontece com cidadãos estrangeiros que tomam esta terra como sua.
O tempo em que estas ilhas viveram fechadas ao mundo, passou à história.
Há novos povoadores, cidadãos com níveis de vida elevados que se integram nos meios rurais e urbanos e promovem as ilhas onde viveram.
Outros, mais novos e corajosos chegam de países africanos onde estivemos durante séculos.
É a crescente mobilidade humana que confirma a necessidade de abertura do nosso pequeno mundo ao Mundo e a outros povos.
A Calheta de Nesquim é um bom exemplo da integração e da abertura ao OUTRO.
Não fosse Calheta sinónimo de angra, baía pequena e acolhedora.
José Gabriel Ávila
*Jornalista c.p.239 A
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