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Silly season

“Sei que a memória vai fraquejando com a idade e tende a confundir tudo
e a dar leituras erradas, mas dos meus 20 anos de Açores, raras vezes tive
15 dias seguidos de sol e com imenso calor, como este ano da desgraça de 2024. No momento em que escrevo a sensação térmica é de 30 ºC …”

Creio que li nas Escrituras ou seria mais cedo na catequese? que é fatal como o destino quando se lava o carro nas 48 horas seguintes chove. A tradição popular, embora com pouca cientificidade, assim o atesta e eu comprovo que em 9 de cada 10 vezes, assim aconteceu. Há meses que andava para lavar o carro, mas sempre que passava pelo local habitual na Ribeira Grande estava sempre a abarrotar.
Desta feita, tinha o carro há imenso tempo sem ser lavado, cheio de teias de aranha, de presentes de pombos e outras aves, lamas e outras sujidades. Assim, no dia aprazado como dispunha de tempo disponível só esperei 40 minutos para o lavar… Na manhã seguinte acordei com uma chuva miudinha, morrinha à moda do Porto, como eu costumo dizer.
A temperatura baixou levemente para os 24 ºC (o recorde do dia é de 1954 com 28 ºC) e prevê-se que amanhã regresse o bom tempo. Sei que a memória vai fraquejando com a idade e tende a confundir tudo e a dar leituras erradas, mas dos meus 20 anos de Açores, raras vezes tive 15 dias seguidos de sol e com imenso calor, como este ano da desgraça de 2024. No momento em que escrevo a sensação térmica é de 30 ºC …
Vim agora do pátio, onde estive a tratar das plantas que se têm reproduzido bem, em especial os catos a que agora se convencionou chamarem “suculentas,” talvez por alguém estar a morrer de fome e sede e ter-se servido deles para sobreviver, digo eu, com a minha cara sardónica…
Se não nos tivesse deixado, em janeiro, a minha mulher teria imensas dificuldades com este calor excessivo e humidade, dados os problemas respiratórios do enfisema. Nos últimos anos aqui nos Açores passara a preferir o frio ao calor. Não suportaria já aquele que apanhamos no último ano em Bragança (2005) quando tivemos -12 º no inverno e no verão, num dia em que fomos à Eucísia (Alfândega da Fé) apanhamos 43 ºC!!!
Nada a despropósito leio esta citação de Bukowski “E quando ninguém te acorda de manhã, e quando ninguém te espera na noite, e quando você pode fazer o que quiser.Como se chama? Liberdade ou solidão?” Charles Bukowski. Eu sei a resposta e não quero esta liberdade a que chamo solidão…, mas bem pior foi o caso do casal descoberto há dias nos arredores de Castelo Branco, ela acamada morreu (de fome e sede?) sem assistência médica pois o marido sexagenário teve morte natural e ali ficaram os 2 em lento estado de decomposição…. Isso sim é solidão, nesta sociedade de vasos comunicantes estanques em que todos somos desconhecidos, mesmo que aparentemente amigos no Facebook ou noutra rede social. Provavelmente teriam filhos e netos que os ignorariam, pois viveriam longe, preocupados com as suas vicissitudes sem tempo de pensar nos velhos.
Penso nisto e dos filhos que tenho, morreria sem que soubessem, restando-me a filha que adotei há 30 anos que cuida de mim à distância do telefonema diário para lhe fazer a prova diária de vida. Irónico quando penso que os dias mais felizes da vida foram (13.8.86) quando nasceram a filha na Austrália e o mais novo (10.9.1996) …Se o alarme não fosse dado com o telefonema diário da filha pelas 20.45, seria a governanta que pela 5ª fª seguinte me encontraria ainda não muito decomposto nem mumificado. É um pensamento que me ocorre amiúde, em especial quando estou no duche.
Quase tão frequente como o pensamento do sismo no chuveiro, saio de lá como Adão no Jardim de Éden (nem sou Adão nem a Lomba da Maia é o Éden), tento vestir-me?, agarro numa toalha? ou a sobrevivência antes que tudo?
Recordo sempre algumas das cenas hilariantes que a Nini contava. Um dia ao passar em frente ao Parque da Prelada (Monte dos Burgos, Porto) vinha um elefante no meio da rua e se dirigia para o nosso Fiesta. Fui lesto a sair do carro para a segurança do passeio, deixando a desgraçada da condutora, minha mulher, para enfrentar o paquiderme. (Estava um circo aboletado no Parque de Campismo e os animais tinham ido dar uma volta).
Outra vez em Macau (1980 ou 81), depois do meu programa de rádio fôramos cear, eu, a minha ex-mulher e um meu cunhado, a um restaurante quase em frente ao Hotel Estoril na Sidonau Pasi (Avenida Sidónio Pais) e ao fundo num canto estavam uns 4 ou 5 indivíduos que pareciam das seitas…. antes da primeira cadeira voar, já estava eu a acelerar, no passeio em frente, ao volante do Toyota Cellica à espera que a mulher e o cunhado se me juntassem.
Tenho outras cenas de escapatória, melhor descritas nos meus livros ChrónicAçores, mas por aqui se pode calcular que em caso de sismo, seria “ó pernas para que te quero e os pruridos e constrangimentos sociais viriam depois”. Não entendo como as restantes pessoas não têm pensamentos ou temores destes.
Por exemplo, morrer na sanita deve ser altamente desagradável, e de odor desaconselhável, para quem viesse a descobrir o cadáver. Outra morte que, inversamente ao descrito me faz sorrir, é aquela em que o idoso que saiu numa missão de infidelidade conjugal (com ou sem Viagra) desfalece eternamente em pleno ato, merecendo um epitáfio do género “viveu infeliz mas teve uma morte santa…” Mais pena teria eu da sua companheira de ocasião que podia ficar traumatizada. Nem de propósito a 11 de agosto era noticiado que
Uma mulher chinesa pediu aos médicos que desligassem as máquinas de suporte de vida do marido, de 38 anos, que tinha tido uma hemorragia cerebral em casa da amante — uma decisão controversa que lançou um aceso debate na sociedade chinesa. O caso aconteceu em Liaoning, no nordeste da China.(https://zap.aeiou.pt/teve-uma-hemorragia-cerebral-em-casa-da-amante-a-mulher-desligou-lhe-o-suporte-de-vida-619564)
Claro que eu e a maioria queríamos morrer no sono, para ao acordar nos apercebermos que o sonho nunca terminava. Seria o despertar numa nova dimensão. Já não acredito num céu de anjos e querubins com um São Pedro de barbas longas a verificar a lista de convidados… Como já muitos dizem, agora que o Papa proclamou que não havia Purgatório, esse limbo, essa antecâmara de melhores momentos, creio que devemos interiorizar em termos de céu e inferno que este é aqui na terra enquanto vivemos… pelo que o melhor é ser otimista e imaginar que a outra dimensão será algo melhor do que esta…
Atualmente não acredito na reencarnação, talvez não seja bem acreditar, mas antes a negação du profundo temor, o de regressar como (por exemplo) barata, cucaracha nunca.

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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