Entendo perfeitamente o incómodo que o recentemente decretado tecto de EUR 600 para as passagens aéreas entre os Açores e o Continente ou a Madeira, e de EUR 35 para a taxa de emissão de bilhetes por cada perna, está a causar aos açorianos; é mais do que expectável que este limite venha a redundar em passagens mais caras para quem necessita de voar para Lisboa, para o Porto ou para o Funchal.
Entendo o incómodo, mas não partilho, de forma alguma, da indignação que tal medida suscitou, nem mesmo a imputação de culpas ao Governo da República.
A verdade, essa sim que me incomoda verdadeiramente, e que só por cinismo não incomoda nem o Governo Regional, nem os partidos da Oposição, é que o subsídio de mobilidade custava em 2013 ao Estado Português, antes da abertura dos espaço aéreo às Low-Cost, cerca de EUR 12 milhões por ano e nos últimos 8 anos, esse valor ficou nos EUR 489 milhões, ou seja, uma média anual de cerca de EUR 61 milhões, 5 vezes mais que custava em 2013.
Não tendo a população residente nos Açores quintuplicado desde 2013, torna-se claro que todo esta dinheirama foi parar aos bolsos das Agências de Viagens e aos cofres da SATA e da TAP; todos andavam a cobrar muito acima do que seria o valor justo de mercado, para a emissão de bilhetes e do custo das passagens aéreas, mesmo que por isso não estivessem a praticar qualquer fraude ou irregularidade, mas que seguramente se estavam a financiar de forma imoral à custa dos impostos de todos nós.
E a todos os que expressam tão exacerbada indignação, pergunto por que razão uma grande quantidade de portugueses, que moram em pequenas cidades e em aldeias do interior de Portugal, sem acesso a transportes públicos, sem acesso a Centros de Saúde perto de suas casas, com Escolas a muitos kilómetros de distância, tem que pagar nos seus impostos o verdadeiro “roubo” a que se tem assistido desde 2014.
Nenhum dos que agora se indignam na “praça pública” tinham a menor dúvida que isto iria acontecer, pois aquando da revisão do mesmo sistema para a Madeira, o Governo da República, do PS, e para que se evitasse que o mesmo viesse a acontecer com as agências de viagens madeirenses, impôs o limite de EUR 400às passagens (Dec. Lei nr 28/ 2022, de 24 de Março).
E pergunto ainda aos mesmos que tanto agora se indignam, por que razão só muito recentemente se decidiu pela criação de um grupo de trabalho para estudar como se poderá melhorar o sistema de subsidiação, enquanto se andou a “assobiar para o lado” quando se usurpavam perto de EUR 400 milhões a todos os portugueses, residentes no Continente, e que andaram a pagar esta “pouca vergonha” com os seus impostos.
Por que razão esperaram 2 anos para promover o estudo para a revisão do sistema de subsídio à mobilidade dos açorianos?
Provavelmente pelas mesmas razões que têm estado na base das reacções sempre extemporâneas a que estes governos liderados pelo PSD nos habituaram desde que tomaram posse; andaram a “dormir” e mais preocupados a sanear quem é do PS, para colocaram os seus “boys” nos cargos da administração pública.
Não me suscita qualquer dúvida que o subsídio à mobilidade dos açorianos se reveste da mais elementar justiça pois não há outra forma de sair das ilhas que não seja por avião; mas, de igual forma vos digo, que o que se estava a passar era uma tremenda imoralidade.
E aqui faço mesmo o mea-culpa; tendo liderado todo o processo de lilberalização do espaço aéreo e tendo trazido as Low-Cost para os Açores, negociando e acordando que estas entrariam na Região sem qualquer subvenção, fui demasiado ingénuo quando não acautelei o incontornável espírito vigarista dos empresários portugueses ao escrever o diploma que permitiu a enorme explosão do turismo na Região.
Tendo passado muitas horas a calcular o valor que seria justo para o custo máximo das passagens, devia também ter calculado os tectos máximos para essas mesmas passagens e para a emissão de bilhetes.
Não o fiz, e penitencio-me por isso; não quis aceitar que, na essência, somos um povo que aceita com muita ligeireza a corrupção e a imoralidade quando se trata de extorquir o Estado; como diz o povo sobre os que praticam actos em tudo semelhantes aos que aqui se descreveram, que são espertos, que sabem “fazer pela vida”.
Por isso digo a todos os que agora tanta indignação mostram: vão protestar à porta das agências de viagens, da SATA e do Palácio de Santana, pois são estes os verdadeiros responsáveis por se ter agora esta medida.
Aqueles a quem querem atribuir a culpa, não fizeram mais do que defender o interesse público, de todos os portugueses, não fizeram mais do que repor a justiça social na atribuição dos subsídios à mobilidade e mais não fizeram do que trazer moralidade a toda esta “pouca vergonha” a que se assistiu nos últimos 10 anos.
Termino dizendo que ainda bem que se introduziram estas regras, pois estas permitirão prolongar a subsidiação da mobilidade de todos os que residem nas ilhas dos Açores; e convenhamos, EUR 600 para viajar para o Continente é um valor bem generoso, tal como o são os EUR 70 para as agências de viagens emitirem um bilhete de ida-e-volta.
Nuno Ferreira Domingues*