Suzanne Maria Cunha, nascida e criada no Canadá, mostra ter “alma e coração” açoriano. Sente os Açores como ninguém e admite ser mais açoriana do que canadiana. É este ano a Presidente do Conselho Mundial das Casas dos Açores, que reúne em Outubro, na ilha de São Jorge. Em entrevista ao Diário dos Açores, através do nosso Correspondente em Toronto, Rómulo Ávila, fala no passado, no presente e no futuro da Casa dos Açores do Ontário, da qual é líder há mais de uma década.
“Nascida no Canadá, vive os Açores como ninguém e tem as nove ilhas dentro do coração e no dia-a-dia”. De que forma olha para este seu contexto?
Antes de mais obrigado pela oportunidade.
Pode acreditar que sou muito mais açoriana, do que propriamente canadiana.
Sou canadiana por nascença, mas açoriana de coração e de alma e, por isso, agradeço imenso aos meus pais de me cultivarem este orgulho português e açoriano.
Fui criada em casa por um avô micaelense e com os meus pais, em que nessa casa só falávamos em português. Portanto, quando entrei para a escola a minha primeira língua era o português.
Aos 19 anos, fui pela primeira vez como adulta aos Açores e nesta altura corri as três ilhas que tinha alguma importância na nossa família: Terceira, Faial e São Miguel.
Desde aí fiquei apaixonada pelos Açores e todos os verões eu voltava e passava o Verão inteiro no arquipélago. As crianças aprendem com aquilo que observam à sua volta, portanto agradeço aos meus pais por me terem transmitido este amor pela cultura açoriana – a mim e ao meu irmão.
Não deixo ninguém falar mal dos Açores e defendo sempre os Açores contra quem os critica.
Já tive oportunidade de ver todas as ilhas, menos uma (até agora). Conheço a Madeira, e muitos lugares em Portugal Continental.
Aprendi a ler, escrever e a falar português sozinha e com ajuda da minha família.
Faço erros sim faço, mas o que interessa e que tudo isso eu fiz por amor e não por vaidade. Tenho orgulho nisso.
Como vê a evolução da emigração açoriana – mais de meio milhão – no Canadá?
Antigamente, e, sinceramente, acho que havia mais razões para emigrar para o Canadá, do que hoje em dia.
No entanto, acho que ainda há algumas áreas em que os açorianos possam emigrar para oportunidades de carreira.
É pena que não conseguem dar equivalências de curso porque assim facilitava-se mais a decisão de emigrar.
Preservar a cultura açoriana na comunidade luso-canadiana é missão da Casa dos Açores do Ontário. Como o fazem?
O padroeiro da Casa dos Açores do Ontário é o Divino Espírito Santo e nós fazemos quatro festas por ano em louvor ao Divino, sendo que é a preparação para as grandes festas em Junho.
Nesta altura a Casa dos Açores enfeita o altar, rezamos o terço durante a semana e depois servimos as sopas do Espírito Santo e no Domingo fazemos, claro, a tradicional coroação.
Nós também temos as nossas portas abertas para as danças carnavalescas e pascais.
Fazemos a Semana Cultural dos Açores, que no próximo ano será feita de um modo para tentar atrair mais a participação dos nossos jovens.
Celebramos também a noite da vindima, matança de porco, cantigas ao desafio e noites de fado.
Como professora de escola primária tenho o prazer de ensinar os meus alunos algumas cantigas em português e este ano ensinei uma dança de folclore e depois fomos fazer uma atuação na Casa dos Açores durante a semana do Divino Espírito Santo.
Tento transmitir o meu amor pela cultura portuguesa/açoriana aos jovens. É por aqui que também passa o futuro, não esquecendo todos aqueles que ao longo dos anos nunca deixaram de vir à nossa Casa.
Promover esta ligação aos Açores é essencial para a Casa dos Açores do Ontário. Como normalmente o fazem?
Sempre que vem um representante dos Açores, as nossas portas estão abertas.
Quando há alguém que tenha um lançamento de livro para fazer sobre os Açores estamos abertos para isso.
Falamos nas nossas semanas culturais sobre a gastronomia açoriana e lendas etc. Recordo que recebemos com muito orgulho a Tuna Académica da Universidade dos Açores e, este ano, dois grupos de Chamaritas do Pico e Faial.
A tradição e a cultura açoriana connosco, no Canadá, nunca vai morrer.
Quais são os desafios que enfrenta como Presidente da Casa dos Açores do Ontário?
Em todas as organizações há sempre muitos desafios.
O maior talvez seja adquirir o interesse dos mais novos.
Sendo de meia-idade eu compreendo, às vezes, a falta do interesse da juventude. Muitas vezes, a batalha de acompanhar as ideias mais modernas dos jovens e, ao mesmo tempo, tentando fazer com que os mais velhos não se sintam colocados de lado, torna-se desafiante.
No entanto os mais velhos também precisam de ter mais flexibilidade porque a rigidez só leva ao afastamento dos mais novos.
Tento criar uma ponte para unir as duas gerações.
Tenho sido firme nas minhas ideias e tento manter a minha opinião que nós, enquanto casa de todos, temos que estar mais abertos às ideias dos jovens e a criar eventos onde o foco são os jovens.
Tento escutar os jovens e tomar nota das ideias e preocupações deles.
O voluntariado, a união e o espírito de missão são pilares da Casa dos Açores do Ontário?
Sim, quanto ao voluntariado, todos os membros da direção são voluntários.
Tento reconhecer o trabalho de todos e agradeço sempre que posso.
Quanto à união tento isso todos os dias, mas às vezes e difícil, porque sempre que estamos num sítio com muitas personalidades diferentes às vezes nem sempre conseguimos essa união, especialmente quando ás vezes há uma ovelha negra a tentar criar divisão com as suas próprias inseguranças.
Como presidente, tento liderar, por exemplo, no sentido que não só trabalhar os meus voluntários como eu também trabalho ao lado deles.
Se é para trabalhar na cozinha, trabalho, se é para trabalhar no bar eu trabalho, e se é para servir à mesa também sirvo.
Quanto ao espírito de missão isso é muito importante.
Quando aceitamos um cargo, tentamos dar o nosso melhor.
Isso nem sempre é reconhecido, mas quem faz por amor não precisa de reconhecimentos.
Ao mesmo tempo quem dá o seu tempo para servir a comunidade, uma palavra de apoio sempre alegra a alma.
Todos gostamos, penso, da palavra gratidão.
Que mensagens deixa aos açorianos, que a vão ler nos Açores e que a vão ler na diáspora açoriana?
Aos açorianos que estão a ler-me nos Açores, sei que nos reconhecem como açorianos e não só como moscas de Verão.
Sabem que, muitos açorianos vieram para o Canadá ou para a América por necessidade; e outros para tentar dar uma melhor oportunidade para os seus filhos.
Alguns podem voltar aos Açores com mais frequência e outros nem tanto.
No entanto, tentaram trazer e manter as tradições açorianas aqui neste país.
Outros há ainda que colocaram de parte tudo e adaptaram-se à cultura canadiana.
Não podemos ser julgados do mesmo modo nem metidos todos no mesmo saco.
Sou lusodescente e é com muito orgulho que estou a representar os Açores no Canadá.
Mas também digo que o meu amor pelos Açores não teve início só depois de ser presidente desta Casa, mas durante dezenas de viagens, ano após ano, aos Açores, durante uma temporada de 25 anos, passando o Verão “açoriano”.
Quanto aos açorianos aqui no Canadá a residir, digo que não sintam vergonha de serem ou dizerem que são açorianos.
Nós temos uma cultura tão rica e devíamos ter muito orgulho nisso.
Nós temos umas ilhas de encanto cheios de tanta beleza natural.
Transmitam o amor pelos Açores aos seus filhos e netos.
Falem sobre as tradições e vasta cultura.
Orgulhem-se em serem oriundos de um povo lutador.
Para finalizar, como Presidente do Conselho Mundial das Casas dos Açores (CMCA), como vê este encontro e quais serão os desafios a enfrentar?
Estou ansiosa para chegar ao dia do nosso encontro, especialmente porque vão nos acompanhar 11 jovens líderes de algumas das nossas comunidades.
Assim nós podemos trocar impressões diretamente com eles para saber o que podemos fazer para lhes atrair às nossas organizações.
Como presidente do CMCA e como lusodescente, eu acho que sou neste momento a melhor representação daquilo que eles um dia vão poder fazer nas suas comunidades.
Quando há vontade tudo se consegue.
Mesmo que um dia na América do Norte algum destes lusodescendentes não saibam falar a língua de Camões, isso não vai impedir de eles transmitirem o amor pelos Açores e que divulgam as tradições e a cultura açoriana.
Só espero que, como lusodescente, eu tenha representado os açorianos da melhor maneira possível e agradeço aos meus pais e família por me terem transmitido este amor pela cultura açoriana.
Rómulo Ávila, em Torornto