Penso que a grande maioria dos residentes nos Açores sentem as dificuldades que se colocam por vivermos numa região dispersa e num eixo em linha reta de cerca de 600 quilómetros entre o limite das ilhas de Santa Maria e das Flores e em que cada ilha pretende possuir tudo o que a principal possuí, levando muitas vezes a imitações dispendiosas e sem rentabilidade que o justifique. Cada um de nós conhece de certo alguns casos destes, pelo que é desnecessário estar a identificá-los.
Temos limitações, em geral, no que respeita a auto sustentação de numerosos produtos de consumo, embora seja possível produzi-los localmente e que não existem apenas por falta ou mau planeamento das entidades competentes. Tendo consequentemente uma balança comercial de saldo negativo, acrescida de um déficite de mão de obra em geral e qualificada, uma enorme dependência deficientes transportes marítimos, dos combustíveis e riqueza de subsolo, com uma grande área de zona exclusiva marítima (que os políticos gostam imenso de referir) mas que não representa acréscimo de riqueza, nem nos beneficia diariamente em termos de produtos em quantidades e preços.
De salientar, a título de exemplo, que no setor das pescas a quebra de receita no fim do primeiro trimestre do corrente ano foi de 1,6 milhões de euros ou seja cerca de menos 41% relativamente ao período homologo de 2024. Antecipando-se uma evolução muito preocupante para o resto do corrente ano, dado que em abril a quebra do valor pescado foi pior, correspondente a cerca de 65% para o período homólogo e tendo o montante de vendas decrescido cerca de 34%, igualmente a abril de 2024.
Ainda assim vamos beneficiando felizmente de verbas anuais volumosas e transferidas durante as últimas décadas do erário público nacional e da comunidade europeia.
Mesmo assim a Região está mais que endividada e apresenta um previsível crescimento limitado que pessoalmente penso deveria ser devidamente pensado e acautelado, pois são os vindouros que terão de satisfazer estas e outras obrigações adquiridas, em numerosos casos, sem rentabilidade justificável e sem qualquer planeamento nos diversos setores económico e sociais.
Soubemos através do Boletim de Execução Orçamental que as contas regionais em março deste ano se agravaram com um déficite de 111 milhões de euros (despesa de 456 e receita de 345 milhões), tendo o valor crescido entre fevereiro e março em 70 milhões.
Também recentemente conheceu-se ter o governo regional contratado um financiamento de 323 milhões de euros, sendo 75 milhões para investimento, 150 e 98 milhões respetivamente para saldar a dívida comercial acumulada e para refinanciamento. Se admitirmos o valor da taxa média euribor anual de 2,138% relativamente a março, o valor dos juros a pagar e correspondentes ao período de um ano será de cerca de 7 milhões. Claro que na realidade a taxa de juro aplicada ao financiamento deverá ser significativamente maior do que aquela referida.
Já em 2024 a região apresentou um saldo global deficitário de cerca de 118 milhões ou seja mais 35% relativamente a 2023, correspondentes a um montante de 87 milhões.
A nível das receitas fiscais em 2024, enquanto os impostos indiretos (cerca de 275 milhões) apresentam uma quebra de 2,9%, respetivamente 8,3 milhões, os indiretos cresceram 15%, cerca de 74 milhões, relativamente ao ano anterior.
Das receitas fiscais indiretas de 2024, cerca de 65% provêm do IVA, num total de 62 milhões, apresentando um crescimento de cerca de 15% relativamente ao ano anterior, enquanto o imposto sobre bebidas alcoólicas e produtos petrolíferos cresceram 27% para cada rúbrica, respetivamente num total de 9 e 62 milhões.
No que concerne ao “rating” oficial da situação financeira regional este mudou de positivo para estável denotando o momento que os Açores atravessam, havendo no entanto a salientar que esta classificação é, em grande parte, resultado da atualização em janeiro de 2025 do “rating” de Portugal e, imaginem, da intenção do governo regional continuar a proceder á consolidação das suas finanças públicas, seja isto o que se considere.
Embora penalizando a vida dos residentes nas diferentes ilhas – pela pressão populacional, automobilística e ambiental causada diariamente, pelo aumento do custo de vida ou pela maior dificuldade em comprar ou alugar habitação devido á procura externa, entre outros aspetos – devemos considerar o forte impacto do turismo no crescimento económico e mercado de trabalho.
Deveremos no entanto ter em consideração a enormíssima dependência e fragilidade do setor turístico, dependente da situação bélica e/ou económica dos países emissores de turismo, considerando perigoso colocar a nossa dependência económica e social numa só atividade. Temos exemplos, ao longo dos tempos na região, de que nos devemos lembrar tais como as crises da produção da laranja, da planta tintureira do pastel, da suinicultura ou mesmo da “vaca” que nos marcaram e ainda hoje se sente.
É urgentíssimo repensar os Açores para bem de todos nós, nomeadamente a grande percentagem da população que vive abaixo do limiar de pobreza e que no ano de 2024 era de 25,1% apesar de todos os apoios sociais distribuídos regionalmente.
J. Rosa Nunes
Prof. Doutor