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O grande e poderoso Miguel Milhão

“Há um movimento da chamada “macho esfera” que está a crescer com rapidez e eficácia, nas barbas de quase todas as mães e pais que deixam que isso aconteça.”

Aqui há uns anos, se alguém te contasse que verias um anúncio apelando ao regresso da ilegalização da interrupção voluntária da gravidez, em Portugal, com uma mensagem final a dizer que estava pago pelo “Guru Mike Billions”, tenho quase a certeza de que a resposta seria imediata e incisiva: estás maluca? Tudo isto aconteceu, por estes dias, sem grande traumatismo e com a cumplicidade da TVI, canal que tem vindo a crescer na sua postura de apoio às forças da extrema-direita, em anos recentes. Longe vão os tempos em que apenas a CMTV detinha tal distinção.
No final de 2016, quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, poucas pessoas adivinhariam o que estaria a infetar o nosso planeta. Um vírus, perigoso e letal, promovido pelo discurso de ódio, e assente no culto à ignorância. Naquele tempo, já existiam os famosos “influencers”, mas eram ainda adolescentes, em geral relativamente pobres, apoiados numa câmara de má qualidade, um microfone fraquinho e uma secretária tosca, no seu quarto de família.
Nos quatro anos que se seguiram, esses miúdos tornaram-se poderosos adultos. A indústria dos influenciadores cresceu na sombra do novo fascismo americano, alimentada pela ignorância e pelas migalhas dos multibilionários que dão de comer aos perigosos cães de fila, como é o caso de Donald, Jair ou, mais recentemente, André. Os influenciadores americanos, baseados na filosofia do capitalismo selvagem, apoiaram-se na comercialização dos seus conteúdos para as bases do eleitorado de extrema-direita. Certamente, porque é mais fácil vender produtos a quem pouco gosta de pensar, mas também porque foram contratados para o efeito. É que os tais multibilionários traçaram uma estratégia para dominar, e essa passa por deter o controlo das novas gerações.
Assim, o “influencing” é a nova e mais poderosa arma de propaganda da atualidade, sendo praticamente assegurada por inteiro, através de jovens produtores de conteúdos direcionados ao extremismo e à violência. Com base nas teorias neoliberais dos “mileis”, os influenciadores cresceram, vendendo banha da cobra a gente que caiu que nem patinhos. Os mais novos, reveem-se em casos de sucesso de rapazes e raparigas que antes dos trinta já eram podres de ricos, e querem seguir as suas ideias, muitas vezes cegamente. O dinheiro é o grande poder desta gente, que tudo faz para levar as nossas juventudes para o caminho do obscurantismo.
Assim começou, nos Estados Unidos, com personalidades como Logan Paul, Andrew Tate ou o famosíssimo Joe Rogan, entre muitos outros. Gente que não tinha particular talento, que não aparecer em frente a uma câmara e apelar aos que assistem, para que lhes deem atenção. Quando começaram a dizer coisas demasiado controversas, sobre racismo, violência doméstica e choques culturais, não se vieram desculpar.
Radicalizaram-se. Muitos fizeram-no durante o COVID-19, incapazes de compreender o poderoso efeito que uma pandemia tem numa sociedade, e limitando-se a cair nas garras da pseudociência e da confusão mental.
Em Portugal, a situação é em tudo semelhante. Se não reconhecem os nomes que atrás citei, devem começar já a pesquisar por Numeiro, Wuant, Miguel Milhão, Tiago Grila e outros que tal. Há um movimento da chamada “macho esfera” que está a crescer com rapidez e eficácia, nas barbas de quase todas as mães e pais que deixam que isso aconteça. Seguindo os passos dos colegas trumpistas, os cheganos avançam a todo o gás para os palcos do Tik Tok e do Youtube, bem como para os microfones da praga de podcasts que se espalhou pelo país a fora, sem controlo de qualidade.
João Barbosa é um rapazola dessa equipa, sendo talvez o mais famoso dos tugas que ali se meteram, no momento. Os mais novos conhecem-no como Numeiro, primeiro youtuber, depois podcaster, vendedor de muitos produtos e marcas, algumas ilegais em Portugal, e construtor de um pequeno império de seguidores que fazem tudo o que ele lhes disser. Considera-se o Andrew Tate português, sendo que Tate foi já publicamente exposto como neonazi e abusador de mulheres. Numeiro, para além de apelar à violência doméstica, juntou-se recentemente à equipa de André Ventura, fazendo campanha pelo país, com um Lamborghini pintado com as cores do chega e galvanizando as suas legiões de jovens para votarem naquele partido. Muitos que votaram em 2025 pela primeira vez, seguiram os conselhos do ídolo Numeiro, e foram dar o ouro aos bandidos.
Exemplo de natureza semelhante, mas ainda mais perigoso, é o de Miguel Milhão, um empresário que representa tudo o que vai mal na cultura do neoliberalismo anarquizado. Milhão é um quarentão com idade para ter juízo, que se continua a comportar como um rapazola influencer enquanto usa as suas empresas para vender produtos e resultados discutíveis. A Prozis, principal peça do jogo de Miguel, está publicitada por todos os grandes influenciadores em Portugal, tendo até alcançado uma dimensão internacional de relevo, mesmo que o que venda seja muito parecido com a banha da mais venenosa cobra.
Milhão, como os seus amigos, rapidamente percebeu que vender produtos a cheganos é mais fácil, porque mais facilmente se enganam os que se deixam vender pela demagogia barata, e focou a sua atenção no mercado da extrema-direita. Apoiando Ventura e os seus correligionários, o multimilionário tem sido um dos principais manipuladores na sombra da propaganda partidária, dando apoio a Rita Matias e a mais umas quantas pessoas de tenra idade que se venderam ao discurso de ódio. Recentemente, com o país à beira do precipício da ditadura, lançou o tal anúncio a favor da ilegalização do aborto, usando-a como nova arma de arremesso cultural, para provocar mais caos e desordem. É isso que eles querem. Dividir, para conquistar.
O resultado de tal momento televisivo, foi a disseminação do ódio às mulheres que tomaram e tomam a decisão de interromper a gravidez. O que Milhão não tenta perceber é a razão para tal opção. Num discurso vago de conteúdo, de imagens paternalistas, Milhão, defende o nascimento, mas não a vida digna que qualquer criança merece. Milhão, como homem privilegiado que é, considera que a mulher que toma tal decisão, não passa de alguém desprovido de sentimentos, como se passar pelo procedimento da IVG fosse uma ida a um centro comercial. Milhão ter-se-á questionado acerca do número de homens que não assumem a paternidade? Que recusam o uso do preservativo porque lhes inibe o prazer? Terá ideia de quantas famílias monoparentais existem em Portugal, na sua grande maioria assumidas pelas mães que se defrontam com imensas dificuldades financeiras, jurídicas e de falta de apoio? A todas e a todos “Milhãos” deste país recomendo a leitura do livro “Ejacula com Responsabilidade”, da autoria de Gabrielle Blair. Talvez, percebam que o homem é tão responsável pelo procedimento da IVG quanto a mulher. Já agora, aproveito para vos relembrar de que a Vasectomia é um procedimento realizado pelo SNS e pelo SRS, de forma gratuita.
Eu lutei para legalizar a IVG. Tal como muitas outras pessoas o fizeram. Recuso-me a voltar a essa batalha, porque a ideologia é mais do que clara e evidente. Só não vê, quem não quer. No entanto, não posso deixar de vos vir aqui alertar. Prestem atenção a estes tipos. São eles que estão a controlar os vossos filhos e sobrinhos, na sombra, mas com tenacidade e ódio visceral. Quando Trump ganhou o atual mandato, o discurso de agradecimento envolveu palavras de homenagem ao “grande e poderoso Joe Rogan” e a outros influenciadores americanos. Por cá, Milhão é o mais parecido que temos com eles. Qualquer dia, será Ventura a agradecer-lhe, talvez com um cargo no futuro Ministério da Propaganda. Não pensamos antes, e depois já era…

Alexandra Manes

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