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“O incessante desiderato de termos mais visitantes a cada novo ano (…) pode vir a comprometer questões ambientais significativas”

Assinala-se hoje mais um Dia Mundial do Ambiente. Uma efeméride cada vez mais
relevante e pertinente, dada a crescente importância da preservação e recuperação ambiental, face a muitas décadas de continuadas agressões ao seu equilíbrio, ao ponto de estar
em destaque nas agendas políticas de muitos países. Mas nem por isso é uma questão
resolvida, pelo contrário. A propósito da data, o jornal Diário dos Açores quis sentir, junto da Amigos dos Açores, associação ambientalista com 40 anos de atividade e intervenção,
um pulsar do Ambiente nos Açores. Uma perspectiva dada pelo respectivo Presidente
da Direção, Diogo Caetano.

Algumas das atividades habituais da Associação são a realização de ações de voluntariado e organização de passeios pedestres. Qual o objetivo?
Na nossa Associação pretendemos que, acima de tudo, os associados, participantes e, num sentido mais vasto, a comunidade em geral, possam ficar melhor informados e capacitados para lidar com as questões ambientais.
Seja numa atividade de voluntariado ou numa atividade de fruição, entre outras, se a nossa ação fizer evoluir cidadãos para comportamentos ambientalmente mais responsáveis, já nos sentiremos gratos. Se estes passarem a mensagem junto da sua família, amigos e comunidade, tanto melhor.

Pela adesão que tais iniciativas têm tido, e não só, como interpreta a consciencialização ambiental da nossa sociedade?
Temos tido uma adesão muito significativa às nossas atividades, o que demonstra que existem cidadãos com vontade de participarem e se envolverem nas temáticas ambientais.
Embora possa ser considerado um indicador, avaliar a consciência ambiental da sociedade pelos participantes nas atividades seria partir de uma amostra muito reduzida e, até, enviesada.
Julgo que pela evolução nas últimas décadas, existe já um bom nível de informação ambiental na nossa sociedade, sem que no entanto isso se reflita muitas das vezes em comportamentos, como são a gestão da água, energia e resíduos ou, até mesmo, a muito baixa participação pública dos cidadãos em questões ambientais.

A educação ambiental é uma necessidade sem fim? Dá frutos? O que mais se deveria fazer?
Sem dúvida que a educação ambiental é uma missão infinita, quer pela constante evolução humana e necessidade de atualização ou readequação, quer pela inexistência de limites a podermos ser cada vez melhores e com o menor impacte possível no ambiente.
Sem dúvida que a educação ambiental formal e informal dão frutos, principalmente quando os cidadãos entendem as problemáticas e verificam a necessidade de alteração de comportamentos. Embora se julgue que a educação ambiental é para os mais novos, acreditamos que é possível educar ou reeducar “miúdos e graúdos”.
Julgamos que há sempre mais para fazer do que efectivamente foi feito. Se, por exemplo, avaliarmos a quantidade de resíduos que facilmente encontramos no espaço público, facilmente perceberemos que temos muito a fazer junto de toda a comunidade.
Julgamos que são necessárias acções que envolvam directamente a comunidade, mas também, ser-se justo a penalizar os infractores, como acontece em vários países desenvolvidos.

Actualmente, quais os grandes problemas ambientais existentes nos Açores, nomeadamente em São Miguel. Ou seja, quais as aztuais grandes “lutas” da Associação?
A ilha de São Miguel, pela sua dimensão demográfica, acentua problemas que se fazem sentir noutras ilhas também.
Destacaria os problemas relacionados com a pressão turística e seus impactes ambientais e, ainda mais, sociais. É urgente definirem-se estratégias que protejam a vida quotidiana dos açorianos, em particular na época alta, quer no acesso a bens e serviços ou à habitação, mas, também, aos recursos naturais.
Julgamos que o incessante desiderato de termos mais visitantes a cada novo ano sem adequação dos transportes, infraestruturas, rotas e locais de interesse turístico, entre outros, pode vir a comprometer questões ambientais significativas como são exemplo a gestão da água, o saneamento e resíduos ou as acessibilidades.
Veja-se a afectação da qualidade de vida em localidades como as Furnas, a falta de soluções de transporte público, o incremento do parque automóvel na ilha e o aumento de trânsito no meio urbano, a pressão sobre os sistemas de água e saneamento (que por exemplo, poderão ter levado à interdição a banho no ilhéu de Vila Franca do Campo no ano corrente).

Os efeitos das alterações climáticas devem ser uma preocupação para os açorianos?
Sem dúvida. Devemos entender que as nossas ilhas enquanto pequenos sistemas oceânicos e isolados apresentam uma maior fragilidade a qualquer efeito das alterações climáticas que num dado espaço geográfico contínuo e de maior dimensão.
Têm-se verificado constrangimentos de abastecimento de água em algumas ilhas e, por outro lado, mediante períodos de precipitação intensa, cheias e inundações, bem como movimentos de vertente, não só na época invernal, mas, por vezes, também noutras épocas.
Gerir bacias hidrográficas de montante para jusante de uma forma integral, com incidência na alteração dos usos do solo e do regime hídrico, bem como avaliar a instalação de estruturas de armazenamento de água e incentivar o uso de água pluvial em determinados usos domésticos, parecem-nos assuntos actuais e prementes.

Como considera as metas ambientais impostas pela União Europeia. São ajustadas e exequíveis, nomeadamente para nós, ilhas, de certo modo privilegiadas?
Devemos entender que as metas definidas pela União Europeia são usualmente fixadas para cada estado membro. Enquanto Região Autónoma devemos entender que nos é devido um contributo subsidiário ao todo nacional com a máxima responsabilidade possível, com respeito pela nossa condição ultraperiférica.
Não poderemos querer ser cidadão de primeira para alguns assuntos e de segunda (ou terceira) para outros.
Por exemplo, a assunção por parte das entidades responsáveis pela gestão de resíduos de que, apesar de avultados investimentos como foi o caso da incineradora da ilha de São Miguel, não iremos cumprir subsidiariamente com as metas de reciclagem, parece-nos um assunto que deveria receber melhor reflexão que aquela que tem tido.

A nível interno, um comentário às políticas que vêm sendo adotadas. E que outras políticas deveriam ser postas em prática?
A nossa associação tem 40 anos de trabalho e experiência – 35 anos acrescidos de 5 anos enquanto núcleo dos Amigos da Terra – e, apesar de todas as dificuldades, sentimos haver a cada ano alguma evolução nas temáticas ambientais, se não mais, a nível legislativo. O processo evolutivo da nossa democracia levou nos últimos anos a geometrias parlamentares e governamentais distintas dos ciclos anteriores, mais incertas e também mais instáveis em matérias de governança. Este contexto tem levado a uma inversão da tendência até aqui, uma vez que parece não haver tempo e coragem para colocar novas políticas em prática, sendo o foco cada vez mais o estabelecimento de regimes de exceção e desconstrutivas do sistema legislativo vigente, onde frequentemente o ambiente tem surgido como moeda de troca.
Essa tendência surgiu fundamentalmente com forças políticas que procuram rápida ascensão representativa através de populismos – como aconteceu com iniciativas legislativas para proteção de espécies invasoras como a hortênsia, classificação de roedores como espécies de caça, pesca em zonas costeiras protegidas, permissão de aplicação de glifosato em espaços públicos, entre outras – mas já foi também aplicada por forças políticas tradicionais, que adaptaram propostas dessas forças populistas noutros quadrantes, propondo que deixe de haver reservas marinhas integrais no mar dos Açores.

Áreas protegidas, terrestres e marinhas. Está tudo feito neste particular?
A nível terrestre julgamos que a criação dos Parques Naturais de Ilha foi uma boa estratégia de governança, à qual urge, sem prejuízo de algumas eventuais atualizações, operacionalizar os respectivos Planos de Gestão.
É importante definir a vocação das áreas protegidas e fazer-se ver que a prioridade deve ser a sua conservação e não a sua utilização como galardão para turista ver.
Por exemplo, este ano, face à interdição do ilhéu de Vila Franca do Campo a banhos, tem-se debatido muito o assunto, no entanto, sem que se fale efectivamente da proteção e conservação ambiental do espaço, a qual deveria ser a prioridade, tal como define o Plano de Gestão do Parque Natural de ilha de São Miguel, que almeja a classificação do Ilhéu enquanto monumento natural.
A nível marinho encontra-se em classificação a Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores (RAMPA), aprovada em 2024. Antes de entrar em vigor no final do presente ano, já decorre uma proposta de alteração que visa a eliminação de reservas marinhas integrais, a qual poderá contar com apoio de forças políticas da esquerda e da direita do parlamento açoriano.
Numa segunda fase deverá decorrer a classificação das áreas costeiras, a qual, face às actuais geometrias políticas, possa gerar ainda maior discussão, eventualmente sem grande conteúdo técnico e científico, como é exigido num processo de planeamento tão importante.

A fiscalização, seja dessas áreas, seja de qualquer influência sobre o ambiente tem merecido críticas, inclusive da vossa parte. Este é um problema evidente?
A fiscalização é uma das nossas lacunas. No mar é por demais evidente que a fiscalização é uma aposta que deve ser extremamente reforçada, quer em matéria de áreas protegidas, quer em matéria de artes de pesca, sob a ameaça do pescado do nosso mar não ser explorado indevidamente por embarcações indevidas.
Compactuar com determinadas práticas ou não investir em maiores e melhores meios de fiscalização poderá comprometer a sustentabilidade das áreas protegidas e também da atividade económica associada à pesca.
Ao nível terrestre, por vezes, desde as constantes infrações graves ao código da estrada ao comportamento em áreas protegidas, a espécie protegida mais importante parece ser o turista, que goza de algum sentido de impunidade atendendo à benevolência das nossas forças de autoridade.
Poderia citar diversos exemplos, mas deixo um: no passado verão, talvez porque os banhos termais estavam interditos, foram identificados diversos turistas a tomarem banho na Lagoa das Furnas e na Lagoa das Sete Cidades, ameaçando a sua própria saúde. O facto foi conhecido pelas autoridades, as quais foram brandas na atuação, uma vez que, apesar de ser considerado proibido, não havia coima fixada para a contra-ordenação.
Como será este ano no Ilhéu de Vila Franca do Campo? Se pretendemos atrair visitantes e turismo com qualidade, teremos de ter maior e melhor planeamento.

No que respeita à agricultura, existe quem defenda a luta biológica para o controlo sustentável das pragas nos Açores, substituindo pesticidas químicos. Mas isso (ainda) não acontece… O sector agrícola dos Açores é “amigo do Ambiente”?
Reconhece-se que o sector agrícola tem efetuado alguns esforços significativos nos últimos anos em prol de melhorias no seu desempenho e diversificação, os quais se espera que venham a ser ainda maiores no futuro.
É muito importante quebrar o ciclo de sobreutilização de produtos químicos, o qual ocorre muitas das vezes pela política incidir insuficientemente no conservadorismo de alguns empresários agrícolas e na qualificação da mão de obra.
Com maior valorização dos produtos agrícolas, demonstração de mais valias económicas e ambientais no uso de novas práticas as quais incluem a descarbonização do sector, e embora seja um caminho longo a percorrer, julgo que poderemos fazer significativos progressos nesta área, a qual, pela sua dimensão, poderá impactar significativamente a qualidade ambiental da região.

A questão dos resíduos sólidos urbanos está longe de ser um tema encerrado. A incineradora veio para ficar? Que posição mantém a Associação?
A incineradora da ilha de São Miguel encontra-se em fase final de construção. Mantemos a opinião de que a incineração de resíduos não seria a melhor política de gestão de resíduos para os Açores nem para a ilha de São Miguel e que as incineradoras instaladas estão sobredimensionadas em função da produção de resíduos e do que deveriam ser os cenários de alcance das metas europeias de reciclagem.
O sistema de tratamento mecânico e biológico instalado na ilha de São Miguel é manifestamente reduzido para a produção de resíduos registada, não maximizando a reciclagem.
Se avaliarmos o que se passa na ilha Terceira, facilmente perceberemos que a entrada em funcionamento da incineradora em 2016 não trouxe maior taxa de reciclagem na ilha, ilha a qual regista dos piores resultados a este nível e sem qualquer perspectiva de crescimento.
A relutância da instalação de sistema de tratamento mecânico e biológico na ilha Terceira, a qual poderia comprometer a rentabilidade da incineradora, demonstra que poderíamos ter tecnologias mais ambíguas do ambiente e de que a decisão política, ocorrida há cerca de uma década, de instalação das incineradoras não terá sido a mais adequada e que terá sobrecustos ambientais e socioeconómicos futuros, os quais todos os açorianos pagarão.

Quanto à Associação em si, está bem e recomenda-se? Como se encontra de sócios, a nível financeiro e do plano de aztividades?
Na minha opinião, e recentemente renovado o mandato dos órgãos sociais até 2027, julgo que a nossa associação se encontra numa boa fase com um grupo estável de associados, com um plano de actividades bem estabelecido e em continuidade dos anos anteriores e, acima de tudo, gozando de uma independência financeira muito importante, que nos assegura uma prestação livre na divulgação dos nossos princípios e missão.
Realizamos um a dois passeios pedestres mensais e estaremos neste fim de semana prolongado em visita de estudo à ilha de Santa Maria com cerca de três dezenas de associados.
Iniciamos em 2025 o projeto “Rotas do Campo” através do qual promovemos visitas temáticas a culturas agrícolas na ilha de São Miguel, procurando práticas de consumo conscientes e saudáveis.
Este ano em particular estamos com elevado dinamismo na atividade de voluntariado ambiental no Pinhal da Paz, em parceria com o Governo dos Açores, a qual visa o restauro ecológico de uma área de 6000 metros quadrados e se encontra a dar os primeiros frutos.
Convidaria todos os interessados, sócios e não sócios, a participarem nos trabalhos, com convívio a cada mês (com sopa vegan e grelha quente), sobre o qual poderão saber mais nas nossas redes sociais.

por Rui Leite Melo

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