A Argentina, essa mistura improvável de tango, carne suculenta e inflação galopante, passou os últimos 15 anos a assistir a uma queda na sua religiosidade tradicional. Em 2008, mais de 75% da população dizia-se católica; hoje, esse número ronda os 50%. Um declínio visível, mesmo após a eleição de um Papa argentino — Francisco — que levou a identidade vibrante do seu povo e uma visão social latino-americana para o Vaticano.
Mas a verdade é que nem a presença de um pontífice local bastou para reacender a esperança numa terra onde a fé, muitas vezes, tem de dividir espaço com o desespero económico. Entre a inflação de três dígitos, a moeda que se derretia mais rápido que um gelado ao sol, e governos que prometiam tudo menos estabilidade, muitos argentinos olharam para o céu… e depois para o talão de compras. A fé não desapareceu, mas foi, talvez, deslocada para outras esferas. Mais terrenas. Mais urgentes.
Foi nesse cenário que apareceu Javier Milei, um economista excêntrico, libertário convicto e personagem que parece ter saído diretamente de um romance político escrito num ataque de nervos. Com a sua famosa motosserra (às vezes literal, outras vezes metafórica), prometeu o impensável: cortar o Estado, domar a inflação e tirar o país do buraco sem anestesia. E por mais que a proposta parecesse uma batalha de alto risco, os números mais recentes mostram que… está a resultar.
Em junho de 2025, a inflação mensal ficou nos 1,6%, bem abaixo dos 25,5%registados em dezembro de 2023, antes da posse deMilei. No acumulado de 12 meses, o índice caiu para 39,4% — o que, no contexto argentino, soa quase a estabilidade nórdica, principalmente quando eram superiores a 210% em 2023. O salário médio duplicou desde a sua entrada e a percentagem de pessoas abaixo do limiar de pobreza recuou para 31,6%, o valor mais baixo desde 2018.
O Estado, esse eterno glutão orçamental, começa a dar sinais de contenção. Com esta retoma financeira, os investidores reapareceram e, curiosamente, até os argentinos mais céticos começaram a falar num “milagre económico”. Não o milagre das aparições ou das águas que curam, mas o das folhas de cálculo que finalmente fecham com saldo positivo.
E se antes muitos se perguntavam por que razão, com um Papa argentino, o país não via milagres… agora começam a brincar que talvez o verdadeiro milagreiro fosse afinal o homem de fato amarrotado e cabelo desalinhado.
Na terra que nos deu alguns dos maiores astros de futebol, a fé religiosa continua viva — como sempre esteve — mas, no presente, partilha espaço com uma outra esperança: a de que um país inteiro consiga, finalmente, sair do labirinto económico sem precisar de velas, promessas ou mais empréstimos ao FMI.
No ritmo atual, não será surpresa se surgir um novo padroeiro — São Javier Mileida Motosserra, guardião do superavit, defensor da economia e intercessor das reformas impossíveis. Porque sim, Deus pode continuar no comando… mas, neste momento, quem segura o volante da nação albiceleste é Milei.
Carlos Caetano Martins*
*Engenheiro Técnico Sénior/
Dirigente Iniciativa Liberal Açores