“O passado não é “letra morta”, não se pode apagar com uma esponja – mesmo que esta seja governamental e esfregada vigorosamente – os sucessivos erros acumulados em muitos anos
e vários conselhos de administração.”
O plano de sustentabilidade financeira (PSF) apresentado a seu tempo pelo conselho de administração da sata, tinha/tem como principal objetivo, no decurso do corrente ano, aumentar as receitas e diminuir custos, conseguindo isto através de uma poupança de 65 milhões.
Para tal é/era intenção do conselho de administração, proceder ao “aumento da eficiência operacional e modernizar a gestão da empresa”.
A intenção parece-me de louvar mas, na minha modesta opinião, não acredito plenamente nisso. Uma coisa são intenções escritas no papel, outra a realidade.
Será isso sim, mais um documento que servindo o fim de fazer acreditar que “a coisa agora vai ser a sério”, até porque existem novos intervenientes no processo de reequilíbrio – cheiinhos de belíssimas intenções – é quase impossível de fazer rentabilizar a empresa.
O passado não é “letra morta”, não se pode apagar com uma esponja – mesmo que esta seja governamental e esfregada vigorosamente – os sucessivos erros acumulados em muitos anos e vários conselhos de administração.
Foram as rotas “feitas” ao gosto dos políticos e sem rentabilidade, o crescente endividamento, os problemas associados a maus contratos com o aluguer de aviões, caso do “cachalote”, as reivindicações dos sindicatos, os problemas de cancelamentos e atrasos e quiçá até a maneira como os trabalhadores encaram o seu dia a dia profissional.
A própria “missão” da empresa está em risco, nos aspetos da responsabilidade social e na partilha de valores com colaboradores, comunidade e o território onde opera.
O PSF refere poupar 65 milhões de euros, mas como se pode acreditar em tal se a empresa há poucos dias nem possuía capacidade, através da sua normal exploração, de ter dinheiro para pagar o subsídio de férias? De salientar que este encargo faz parte dos custos fixos, não são “fatores” que surgiram inesperadamente.
Ao fim de algumas semanas o problema, felizmente para os trabalhadores e famílias, foi resolvido. E como?
Simplesmente e mais uma vez recorrendo a um financiamento bancário, solicitado a uma banca “cansada” de situações regionais e de empresas públicas, mais ou menos semelhantes, e que claro obrigou a que o governo regional prestasse o seu aval, ou seja que fosse o garante/fiador deste empréstimo.
Possivelmente não foi fácil, daí a demora, pois a comunidade europeia para apoiar o governo regional relativamente ao desejo de privatização obrigou a não injetar dinheiro na empresa, pelo que tinha inviabilizado haver mais qualquer aval.
Mas dada a situação complicada e o período de análise da proposta de privatização a decorrer, o melhor – ou o mal menor – era autorizar o aval. Senão possivelmente não haveria empréstimo nem subsídio de férias.
E cá vamos nós acrescentando ao valor da dívida da empresa, mais 75 milhões de euros.
Fica a expetativa de saber o que vai acontecer com o subsídio de natal. Será pago com dinheiro conseguido na exploração da empresa ou será necessário pensar em contrair outro empréstimo? E se o governo regional não tiver plafond para garantir isso? Passará para início de 2026?
Garantias ou não, deduzo que mesmo que a sata seja privatizada, nós os cidadãos açorianos iremos ficar com as responsabilidades para suportar em futuro, dado que me parece que o valor dos vários empréstimos em dívida na sata não serão da responsabilidade de quem adquirir a empresa de aviação.
Nos últimos quatro anos, entre 2021 e 2024, o governo regional concedeu catorze (14) avales a empresas públicas permitindo/garantindo, como se mencionou anteriormente, o cumprimento das obrigações destas perante as instituições financeiras. Embora não sejam dividas contraídas diretamente pelo governo regional é, no fim, da responsabilidade dos Açores o cumprimento atempado das obrigações daí decorrentes, quer em juros quer em amortizações.
A este valor, cerca de 270 milhões de euros no período de 2021 a 2024, deve ser somado os valores das obrigações financeiras contraídas pelo governo regional para financiar os seus projetos, entre os quais se encontram aqueles a utilizar como capital próprio nos investimentos do PRR, cumulativamente com os montantes providenciados pela comunidade europeia para a execução dos mesmos.
No período referido os avales do governo regional foram concedidos às empresas públicas, a saber: portos dos Açores e lotaçor, cinco para cada uma, e três para a sata holding.
Só no ano passado do total de 80 milhões de euros autorizados pelo governo regional, 20 milhões foram para a portos dos Açores e 2 milhões para a lotaçor, neste último caso de modo a que esta utilizasse os serviços da banca em geral.
A conta da região dos Açores para 2024 refere que em fins de dezembro, as responsabilidades das empresas públicas regionais eram superiores a 380 milhões de euros.
Mas para além dos avales, o governo regional atribui a pedido das empresas públicas, as denominadas “cartas de conforto”, que é um documento a “entregar” às instituições financeiras quando as mesmas pretendem obter financiamentos.
Estas “cartinhas” não obrigam o governo regional nos mesmos termos que o aval. Mas no fim o governo regional, como “pessoa de bem” que é, tem as mesmas responsabilidades (senão morais) se qualquer empresa pública falhar.
No decurso de 2024 foram atribuídas 8 “cartas de conforto” pelo governo regional.
Conseguem adivinhar a que empresas públicas? Eu ajudo com muito gosto: foram 4 à sata holding, 2 à sata Açores e 2 à atlânticoline.
A responsabilidade indireta financeira total por parte do governo regional dos Açores, em fins de 2024, em “cartas de conforto”, totalizou 90 milhões de euros, dos quais 7 milhões foram para a sata.
Se adicionarmos o valor dos avales e das “cartas de conforto” que temos vindo a referir, teremos um montante de mais de três centenas e meia de milhões de euros de responsabilidades.
Não devemos deixar de adicionar o valor do último aval concedidos pelo governo regional dos Açores à sata, “eloquentemente” salientado na casa regional da democracia e pelo secretário regional das finanças e afins, no montante de 75 milhões de euros.
Esperemos pelo Natal. Decerto iremos ter mais novidades com o subsídio de Natal dos trabalhadores da sata, por exemplo, ou quiçá com a privatização.
Como se usa dizer: “Haja saúde” para pagar tantas dívidas.
J. Rosa Nunes
Prof. Doutor