Numa época em que só se ouve falar de tecnologias e dinheiros, é com espanto que temos de reconhecer o lado enganador daquilo que poderia ser o admirável mundo novo de que falava o autor inglês Aldous Huxley, no seu famoso livro Brave New World, publicado em 1932, 7 anos antes de deflagrar a II Guerra Mundial. Ao longo dos anos, Brave New World tornou-se um ícone civilizacional, no que foi muito depois acompanhado pela obra de outro inglês (1984, de George Orwell, publicada pela primeira vez em 1949). Ambos têm de comum a distopia, um termo que significa o contrário da utopia e nos configura uma sociedade de opressão, manipulação, controlo e terror. A diferença entre ambos, reside no facto de Huxley imaginar o mundo sob controlo totalitário de um Estado Mundial único, enquanto Orwell presume um planeta entregue a três grandes super poderes totalitários rivais, um deles vigiado permanentemente pelo Grande Irmão. É sobre este que Orwell imagina o futuro, sendo flagrantes as coincidências sobre o caminho que a actual sociedade global está trilhando. Uma das percepções mais correntes em todos nós, particularmente quem esteja aberto a um espírito crítico e despartidarizado, é a de que nos nossos dias, dificilmente se consegue usufruir de privacidade, por mais RGPDs ou quejandos regulamentos de protecção de dados sejam produzidos. A generalização da mobilidade electrónica, omnipresente nos diversos instrumentos de uso corrente, com especial destaque para os telemóveis/smartphones a internet, transformaram-se em ferramentas de tão indispensável utilização, que sem eles ficamos com uma inquietante sensação de isolamento e vulnerabilidade. São situações de dependência e vulnerabilidade como esta que, da política internacional à finança ou à exploração de recursos naturais, fomentam o apetite de autocratas, hackers (um nome gentil para os novos ladrões do online) e toda uma corte de gente sem escrúpulos, nem respeito pela identidade e privacidade das pessoas e instituições.
Um dos exemplos mais evidentes do atrás descrito, foi a repetição da eleição de Mr. Trump para a presidência dos Estados Unidos, coisa só possível devido à habilidosa manipulação dos média pela equipa de campanha que liderou e que continua a liderar. Tudo enforma um conjunto de prestadores de desinformação que transformaram os EUA num espectáculo permanente de petas, como se vivêssemos sempre num 1 de Abril. Em tempos não muito recuados, o 1º de Abril nos Açores era o “dia das petas”, que dava azo à publicação de fake news brincalhonas e jogos de mentiras entre famílias e gente amiga, mas parece que até isso se está a desvanecer. Agora, as petas são pão – nosso – de – cada dia e pululam online nas redes sociais. Certo é que, tal como o feitiço uma ou outra vez se vira contra o feiticeiro, também tipos esotéricos como Mr. Trump bebem do próprio veneno, conforme se viu com a notícia (aliás, ofensiva e algo nojenta) do cartoon recentemente divulgado pela South Park Studios, uma empresa satírica americana estribada na web. Nem sequer se pode dizer que é anormal, tais são as imagens degradantes que circulam livremente nas redes, onde a regulação é convenientemente ignorada pelos governos, em nome duma falsa noção de liberdade. É assim que o valor global do cibercrime, calculado para 2025 pela Cyber – security Ventures, atingirá o astronómico volume de 10,5trilhões/biliões, ou milhões de milhões de dólares, qualquer coisa como 2,3 vezes o PIB da Alemanha. Pior é a tendência de crescimento estimada, que coloca o cibercrime mundial acima dos 12 trilhoes USD em 2030. As petas vigentes no universo das criptomoedas e os avanços da IAG- inteligência artificial generativa, permitem o refinamento dos tecno -ataques e reduzem à dimensão de tecno -tretas os discursos apaziguadores dos interessados na roubalheira. Antigamente, quando o telefone se generalizou, o slogan era “não vá, telefone“; transpondo para os nossos dias, melhor será ir do que enviar e-mail. Quando estiver em jogo a segurança da mensagem, porque se assim não fosse, os bancos não mandavam pelos CTT os códigos de cartões de débito/crédito, nem exigiam tantas cautelas na activação dos mesmos. Com mais do que justificadas razões, é bom que se diga.
Tive uma prova destas tecno – tretas intrometidas onde não são chamadas, quando respondi por what sap ao envio de umas fotos de minha neta Eva, uma açoriana finalista de engenharia aeroespacial na TU Delft, quando visitou este verão o Yosemite Park, na Califórnia. Logo alguém entrou na conversa — neste caso a Meta AI — quando referi online idêntica visita que fizemos ao Yosemite com o Dr. Manuel Bettencourt, um amigo graciosense que é médico dentista em São José da Califórnia, citando detalhes como se fosse uma pessoa. Inclusive mostrando agrado por eu conhecer Dr. B, como o nosso amigo Manuel temes tampado na placa personalizada da matrícula do seu Mercedes. Até aqui, nada de especial; excepto que uma tal tecno – treta, permite desconfiar de semelhantes Big Brothers, quando julgamos estar a comunicar em segurança com familiares ou com entidades que exigem maior sigilo.
Vasco Garcia